quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

UMA HISTÓRIA DESPRETENSIOSA (retomando as atividades)

Chamado ao palco em uma conferência literária, Escritor sobe sorrindo as escadinhas e cumprimenta seus colegas de ofício – todos empertigados e solenes, de mangas compridas e colarinhos ajustados. Ao fundo, uma saraivada de palmas entusiásticas. Num exórdio, o presidente louva a qualidade inegável dos romances de Escritor, seu estilo elegante, suas análises subjetivas mas mordazes, sua inata capacidade de analisar as mazelas psicológicas das pessoas e transportá-las para seus livros, traduzindo magnificentemente a própria essência humana. Escritor sorri, divertido com o tom professoral e hiperbólico do presidente. Por fim, Escritor é desafiado a contar uma “história despretensiosa” aos colegas e ao público que ocupa as centenas de poltronas estofadas do teatro. Ele gargalha um momento – uma curta risada irônica – e responde numa voz bem modulada: “contarei”. O público se alvoroça, um burburinho perpassa toda a audiência como vaga lambendo a orla litorânea. Escritor posta-se no proscênio, e, boca pouco afastada do microfone, começa placidamente:


“Esta é uma história, portanto é imperativo que tenha personagens, e essencialmente um protagonista. Pois bem, nosso protagonista é um homem singular: barba e cabelos desgrenhados, face atravessada de sulcos profundos, olhos ardentes, negros. Veste-se como um profeta: a longa túnica azul cobre-lhe o corpo magérrimo e encardido, a pele encobre o estômago acostumado aos continuados jejuns, as feições guardam um ar de perene insânia. E, para completar a figura, um cajado, um enorme cajado pesadíssimo, desproporcional para a figura miúda que o nosso profeta apresenta.

“O povo o observa suspeitoso, olhos apertados e punhos cerrados, intrigados. As pessoas vêem o profeta murmurar palavras estranhas para si mesmo, escrever em longos pergaminhos com penas e tintas infecundas para esse ofício, contemplar horas a fio um único ponto, olhos vidrados e membros hirtos, para depois acordar repentinamente num sobressalto. Escrutam-no à distância: ninguém tem coragem de falar com ele, sua fisionomia estrambótica causa repulsa e temor às crianças, empalidece as mulheres, faz fremir os homens de indignação.

“Num dia de calor desmesurado, o profeta mostrou-se mais inquieto. Marchava de um lado para o outro, sobrecenho tempestuoso, nariz espetando o ar, os olhos incendiados pela vigília. À noite, dirigiu-se para a cidade. Havia festa: louvavam-se aos deuses pastoris pela beleza do crepe sombrio cingido de luzes minúsculas que embelezavam naquela estação o recesso do sol. O profeta olhou aquela festividade esplêndida com mal dissimulado asco. Aos poucos, o barulho foi cessando – o povo tinha percebido a incômoda presença do profeta e olhava-o curioso.

“Que vieste fazer aqui, velho?”, vociferou um homem.

“Venho fazer-vos ver a verdade”, respondeu o profeta. Seus olhos ardiam como carvões que crepitassem, abrasados. Na turba houve um movimento semelhante a um calafrio. Artesãos e escribas tiveram uma tangível sensação de presságio na alma embotada, e diligenciaram calar apressadamente o profeta, que se encarapitara sobre um caixote meio apodrecido e fitava a multidão atônita com seu olhar insano. Mas foi impossível. O profeta prolongou-se por trinta horas consecutivas numa alocução interminável, na qual afirmou que ele, profeta, percebera na clausura da solidão a existência de apenas um deus, que tinha dez braços, oito pernas e uma cabeça enorme, no alto da qual tremulava perpetuamente a flama do entendimento. Os olhos de deus não tinham cor, pois neles residiam a crueza cálida da vida e a frialdade inadmissível da morte. Suas mãos fadavam-se delicadas e hábeis, pois haviam concebido num instante sagrado de inspiração toda a singeleza do mundo. Seu herdeiro, seu dileto herdeiro, fora engendrado na solidão eterna de Sua Divindade, e era singelo e puro, com características humanas e um perpétuo ar de beatitude no semblante indizível. “Ele vive entre nós, fisicamente, e chegará o dia em que ele se revelará com todo o seu séquito feérico e dará gênese a uma felicidade inteiriça, inafiançável mesmo por nossa endurecida iniqüidade, e far-nos-á felizes, agraciando-nos com a honra insigne de fitarmos o semblante de seu criador e gozarmos das venturas por ele concebidas”. O povo não emitiu um som qualquer durante todo o discurso, afogado na loquacidade do profeta e envolto num silêncio de letal fascinação. Permaneceram todos de pé, sem perceber o estrugir dos estômagos surdos aos apelos de sibila e a urina e as fezes que, de tão naturalmente reprimidas, acabavam escapando sem a permissão de seus donos, escorrendo dos pêlos secretos e vindo molhar lentamente a areia desértica da praça. Quando o profeta calou-se, vermelho e exausto, o povo estava ainda petrificado pelo espanto da revelação. Aos poucos emergiu das cavernas das suas mentes um grito unânime de aclamação, um altissonante ronco de mentiras perfumadas que desprezou as irregularidades do relevo, a soberana massa de água salgada que os observava do horizonte, o sibilar secreto das nuvens, o emperro da alma humana e destruiu num dilúvio o tédio que avultava na face pálida do mundo.

A nova fé floresceu na comunidade. A voz dos escribas foi calada pelo alarido da procela, que se aparelhara de forças renovadas, guiada pela mão veemente do profeta. Foram assassinados numa madrugada lôbrega e ensimesmada. O profeta acercou-se de sacerdotes convenientemente instruídos, que mais pareciam sequazes disfarçados, e disciplinou a aldeia na nova crença, fundamentando-a sobre valores refeitos e inflexíveis, cheirando a dissimulado mofo. Como uma mancha insidiosa que penetra no íntimo das coisas e as invade inapelavelmente, a fala do profeta venceu os empecilhos da distância e do tempo, instalou-se na consciência dos viventes da aldeia e das circunvizinhanças num frêmito irresistível. Paulatinamente os países foram caindo sob o domínio de profeta, e ele pôde ver, no seu leito de morte, rodeado por seus discípulos mais fiéis, a derrota dos êmulos e dos opositores que levantaram a voz contra seus postulados.
Profeta morreu tranqüilo, amálgama de peles sobrepostas, mosaico de halos imaginários vislumbrados por todos os apaixonados discípulos. Profeta morreu sorrindo. Ninguém soube, nem mesmo nos séculos que se seguiram, que seu sorriso fora de zombaria, de gaiata e silenciosa esperteza. Profeta morreu desprezando a humanidade, tão banal, tão esperançosa, sempre pronta a acreditar em qualquer mentira descabida arquitetada sobre mistérios utópicos. Profeta foi enterrado – e com ele, nossa história despretensiosa também”.

Alguém tosse na platéia. Homens secam com lenços perfumados o suor visguento da compreensão. As mulheres afundam-se nos casacos pesados, procurando proteger-se da acrimônia intolerável da história. Escritor vagueia os olhar por cada semblante, sorrindo triste. Dispõe-se a devolver o microfone para o presidente quando um homem taciturno, sentado na primeira fila, ruge: “essa não foi uma história despretensiosa”. Escritor fixa o homem por algum tempo, imerso na piedade, e concede: “é verdade, amigo. Infelizmente, é impossível narrar uma história despretensiosa”.

O presidente, também constrangido, considera como azado dar por finda a conferência. O público dissolve-se, em silêncio, pelas galerias.

domingo, 12 de outubro de 2008

O BAILE DE UMA CIDADE DE AÇO E CONCRETO

Incrustado no planalto norte de Santa Catarina, o lugar em que vivo amanhece todo o dia de forma célere, pulando da cama com olhos estremunhados e gestos esquivos: é Joinville, uma cidade dinâmica, apressada, industrial. Trabalhadores, artistas, políticos, anônimos, jovens, idosos, pessoas enfim movimentam-se nessas ruas enfumaçadas, buscando fazer não sei bem o quê. Talvez viver.
É uma cidade de concreto e aço, uma cidade perfeitamente adequada às conveniências contemporâneas. Tem seu riozinho fétido e mórbido que corta o centro da cidade, empestando o ar com sua frialdade de lodo. Tem seus prédios maciços, suas indústrias alacremente pintadas, suas universidades, seu comércio ostensivo e ardiloso. Tem seus mega-centros, tem suas sociedades recreativas, tem suas madrugadas enfastiadas.
Meu lugar se assemelha a qualquer outra cidade grande. Tem ruas, pessoas, comércio, muito movimento e algum tédio. Tédio disfarçado, triturado em sorrisos, em cartões de visita, em telefonemas velozes, em chopes sorvidos após a labuta do dia. As pessoas de Joinville assimilaram em suas almas, como a maioria dos inconscientes do mundo, o entrechocar de ferros em movimento. Estão íntima e eternamente besuntados pelo óleo das engrenagens que operam ou vêem operar todo o dia.
É uma cidade agitada que teima em ser única. Seus asfaltados ângulos retos traduzem a monotonia da vida operária de tal maneira que antes mesmo de terminarmos de saborear a esquina da rua que termina nos vemos jogados no turbilhão de uma nova rua, em pleno e doloroso parto... Há lugares plácidos: os campos de futebol de várzea, as praças calmosas, os shoppings de lojas magnéticas e convidativas, com ar condicionado... no meu lugar de moradia há resistência à previsibilidade: afinal, que cidade tão ferozmente industrial se preocuparia em fazer florescer as artes cênicas, a dança de origens diversas, a literatura pertinaz senão esta minha terra erguida sobre a inconstância dos mangues?
O lugar em que vivo ostenta um paradoxo: se insensibiliza no trabalho árduo, no seu afã de produzir, consumir, exportar, importar, em ser aquilo que as outras cidades esperam que ele seja, o que a nossa economia conclui ser o correto... e, não obstante, ele acalenta na sua gente sorridente uma imensa ternura, um inexplicável enternecimento pela vida, uma comoção que se prende às luzes noturnas, que se deposita na cerveja repartida entre o estampido silencioso de explosões psicodélicas, na sempre singular ficção da realidade... é uma cidade onde a voz dos escritores se ergue em sarais recônditos, intimistas sublevações contra a massificação da essência humana... é uma cidade que se faz os ferros do trabalho bailarem nas almas humanas, ao som de um Festival de Dança que se estende pelos anos afora...
O lugar em que vivo é úmido, a chuva goteja rotineiramente no chão. Não há encanto maior que a chuva iluminada na noite pelos lampiões, porque nos penetra aquela tranqüilidade ancestral que regozija e torna o homem melancolicamente feliz. O lugar em que vivo é mesquinho de verde. Mas apresenta aprazíveis e modernas florestas de cimento.
Joinville, lugar indescritível... o mistério do florescimento da alegria na aridez das máquinas, nos ângulos retos que delineiam o rosto desta cidade dos príncipes... talvez Joinville, meu lugar de vivências, minha realidade cotidianamente revista e revisitada, seja apenas uma cidade grande tentando entender-se pequena, lutando para não se desagregar, mosaico em desacordo. Mas o que vale é a chuva, que cai enquanto escrevo estas palavras e me deixa melancolicamente feliz.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Café de mulher

Minhas mãos estão vazias – nelas reside o ar perplexo do silêncio. Olho-as, esfrego-as nas coxas, deitado na cama, olhando fixamente o livro que atirei para um canto. Bocejo ao final de algum tempo, as molas da boca distendem-se – nnnnnnnnnnnnn- contraem-se finalmente, encerram o aborrecimento na boca seca. Serão horas quais?

Na cozinha, ouço um barulho. Querido, quer café? Café sorvido no sopé de algo, relegado chulé - miasmas vaporosos... Café, quero-o ou não? Café ou não café? Não respondo, fico resmungando café não devia rimar, devia sumir sumir sumir – evaporar... Quer café, querido?

“Quero o mundo, Lourdes, quero o mundo e seus tormentos!”

Ela não responde, está adormecida em sua sonolência conjugal. Não entende por que eu desejo a amplidão enfumaçada do mundo, não compreende afoitamente que na nossa cama do final de noite já não há espaço para café ou espumas, que nossos corpos estão frios como o colchão insensível e insuportável que nos acompanha madrugadas adentro... imersos em sonos e aborrecimentos estamos, e sonolentos e aborrecidos somos... Quer café? Quer amor? Quer a certeza utópica de que somos diferentes e incompatíveis? Quer tentar reencontrar meu corpo de adolescente nesse corpo de mulher gasta e empoeirada?

Lourdes surge na minha frente. Duas chávenas na mão.

“Trouxe café. Vai te fazer bem. Você está tão aborrecido...”

Meus olhos estão fechados. Cantarolo, finjo-me distraído.

Não quero café. Não quero café. Não quero...

Ela fita-me impaciente. Ficamos em silêncio. E entre o nosso silêncio pende, impotente, o brilho estático da lâmpada elétrica.


VANILDO SELHORST DANIELSKI

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Um beijo só, só um beijo...

Manhãs devassadas por sóis escarninhos. Três: um no céu, dois nos olhos dela. Escutava-a, vendo suas palavras enlaçarem fios irisados, teia que se emaranhava no seu rosto ávido de garoto. Desejo calado de beijá-la. Um beijo, um beijo só...

Viu-a muitas vezes, não externou nunca o que sentia. Conservou na lembrança uma reminiscência esmaecida das feições dela, os lábios rosados úmidos pedindo um beijo, um beijo só... O tempo chorou anos, e ele, feito homem barbudo - pupilas miúdas- nunca pôde resgatar a lucidez perdida numa madrugada de desespero, em que miavam gatos e a lua ressonava seu ronco de luz... Jaz atualmente num sanatório, fortemente imobilizado, a morder os lábios que não roubaram um só Beijo, um Beijo só...

VANILDO SELHORST DANIELSKI

quarta-feira, 23 de julho de 2008

CASE

Entramos num bar pestilento, repleto de mesas de plásticos e homens gargalhando, bêbados. João Henrique mostra certa repugnância, mas faço-lhe notar que um bar ou boteco metido no subúrbio não tem outra serventia senão embriagar na noite os trabalhadores do dia. Ele esboça um meio sorriso, que lhe imobiliza no rosto uma atmosfera de orgulho tão repugnante quanto os bêbados.

Sentamos num canto mais discreto, pedimos uma cerveja e nos deixamos ficar olhando fugazmente os automóveis que rodam na rua asfaltada. João Henrique está absorto. A bebida chega e ele sorve num instante todo o conteúdo do seu copo, silencioso. Foi ele quem me chamou, então vou deixar a ele a iniciativa de começar a conversa, penso.
Esvaziamos a garrafa em silêncio. O dono do bar achega-se cheio de bigodes e toalhas, pergunta se queremos mais cerveja. João Henrique acede com um gesto, os olhos fitos na espuma que escorre vagarosa pelas bordas do copo. Só se resolve a falar quando vê seu copo repleto novamente.

“Valério, você é um grande amigo, sabia?”

“Sabia.”

“Pois eu queria conversar um negócio contigo.”

“Diz.”

“Amanhã eu me caso, como você sabe. E eu queria te pedir uma opinião. Nem é bem uma opinião, que opinião você já emitiu, e muitas. Quando conheceu a minha noiva, me disse que ela parecia ser uma mulher muito boa, submissa, carinhosa, compreensiva. Concordei com tudo naquela ocasião, e ainda agora concordo plenamente. Não nutro qualquer desconfiança quanto ao caráter dela, está me entendendo?”

“Estou”, respondo, levemente interessado naquela lengalenga.

“Pois bem”, ele aperta o copo com tal ímpeto que chego a recear que o vidro se parta entre seus dedos, “amanhã eu me caso.”

João Henrique faz uma pausa, bebe um gole da cerveja, lambe os lábios com lentidão filosófica. Percebo que está um tanto emocionado, conjecturo que o álcool talvez já esteja afrouxando sua estiolada resistência ao sentimento. Tem os olhos brilhantes, tenho a impressão de que estão úmidos. Ele finalmente fala.

“Então, quero te perguntar. Acha que devo me casar?”

Sobressalto-me com a indagação. Olho-o muito tempo, atônito.

“Como?”

Ele baixa a voz, inclina-se até sua cabeça fatigada tocar nas mãos imóveis em cima da mesa. Faz sumir o rosto nos braços sobrepostos.

“Acha que devo me casar?”

Mordo os lábios, olho os bêbados que agora contam piadas. “O japonês foi ao médico, e...” a pergunta me põe numa incômoda obrigação, percebo que o miserável preza demasiado a minha opinião. O que responder-lhe?

“Você já não a ama?”, inquiro.

“Amo, amo apaixonadamente”, responde João Henrique, erguendo o crânio. A iluminação fumacenta do bar desvenda feições transtornadas por um sofrimento indizível. “Ela é minha vida. Quando a olho, mesmo depois destes anos de noivado, sinto a mesma chama, o mesmo calor de quando começamos a namorar. A presença dela me faz bem, muito bem! Não hesitaria em passar a eternidade com ela.”

“Ela tem algum físico? Mau gênio?”

“Não. E a questão não é essa.’

Ele se imobiliza novamente, extremamente infeliz. A cerveja começa a esquentar nos nossos copos. Os bêbados olham-nos disfarçadamente, começam a diminuir a bulha: os embriagados sempre respeitam a dor de outro embriagado. Mas não, João Henrique não está embriagado. Ele agora se levanta e vai espiar o céu, lábios apertados, olhos injetados. Deixo-o refletir à vontade, enquanto vou tecendo conjecturas. Ele volta mais sereno, mas o desespero gira em espiral nos seus olhos, torvelinho de segredos.

“E então?”

“Então quê?

“Devo me casar?

“Olha, João Henrique, essa é uma decisão que só cabe a você. Eu não tenho nada a ver com isso...”

O sofrimento espreme-lhe o rosto, pela primeira vez vejo-o suplicante. Durante meia hora procura me provar, com os argumentos mais arrebatados, como será bom para ele casar-se com a mulher que escolheu para si, como sua felicidade será inafiançável, estupenda, imensa como o horizonte... aos poucos o tom apaixonado vai recrudescendo, e toda sua alma se projeta nas palavras que vai me atirando vertiginosamente, com gestos bruscos e desvairados... observo-o, cauteloso.

“Ora, caro João Henrique, você sabe o que fazer. Está na cara que o que mais desejas na vida é se ligar a essa moça...”

Ele está ofegante, vermelho. Seca com o lenço o suor que lhe poreja a fronte.

“Isso eu sei! O que eu quero é que me você me responda aquilo que eu quero ouvir...’

A surpresa assalta-me os pensamentos com tal furor que entreabro os lábios, perplexo. Fito-o.

“Um momento... essa pergunta que estás me fazendo há meia hora... você a fez a todos os seus amigos, não é?

“É verdade. É sim, Valério.”

“E o que eles responderam?”

“O mesmo que você: que a decisão só cabia a mim.”

“E aposto que toda a sua família também disse isso...”

“Todos. Todos disseram o mesmo.”

A língua umedece-me, preocupadamente, os lábios secos. Finalmente entendo o que João Henrique deseja, olho-o com inexprimível piedade.

“Certo, João Henrique, certo. Não sofra mais. Case. Case, e seja feliz.”

João Henrique soergue a cabeça que se afundara novamente nos braços cabeludos, e olha-me com inequívoca alegria, sorrindo o sorriso mais desgraçadamente feliz que já contemplei. A voz lhe vacila, e ele só consegue emitir uma rouca e enternecida
palavra:

“Obrigado!”

As lágrimas sulcam-lhe o rosto, o rosto recupera paulatinamente a cor ordinária.

“Obrigado!”

A emoção envolve-o compactamente, João Henrique perde a antes sólida compostura humana e transmuta-se numa chorosa massa de carne, que repete um odioso mantra de genuína e desesperada felicidade.

“Obrigado!”

A cena me enfada. Levanto-me e deixo sobre a mesa uma nota amarfanhada. Faço um sinal ao dono do bar, que me compreende.

“Obrigado... obrigado!”

“Não há de quê.”

Retiro-me célere, deixo-o fruindo, esparramado na cadeira, sua sórdida e indesculpável pusilanimidade. Tomo um táxi, e pensativo me recosto no banco. E pensativo me permito observar a noite opaca, de estrelas esmaecidas e semáforos impiedosos.

VANILDO SELHORST DANIELSKI

terça-feira, 17 de junho de 2008

Rosário de sonhos

José Bueno de Milachia sonhou a vida inteira. Mesmo acordado as imagens deslizavam sobre seus olhos, escorriam silêncios e convergiam para um receptáculo bojudo: a velha ampulheta do Santuário Apofênico. José sobressaltava-se com facilidade, via espelhos imaginários à sua volta, pressentia reflexos estrambóticos para sua figura acesa e ossuda, que suscitava risos aos colegas, e calava-se, ensimesmado.

Ao morrer, teve um sonho fugaz. Sonhou que todo o arsenal onírico que engendrara na vida entrelaçava-se num rosário endurecido, machucado já por futuras ladainhas. Quando um lampejo de compreensão lhe assomou nas reflexões desvairadas, percebeu desolado que já baixara a noite, a triste noite da inexistência, e que não era mais José Bueno de Milachia. Tornara-se sonho, punhado de irrealidade, desejo. E silêncio.

domingo, 18 de maio de 2008

Gravata e Terno

TEXTO SUPRIMIDO TEMPORARIAMENTE...
PARTICIPANDO DE CONCURSO...

quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ponto de Ônibus

Eu esperava o ônibus, resignado. O sol batia-me no rosto, ofuscava-me os olhos. Cobria-os com a mão, mas a claridade, coada pelo intermúndio dos dedos, fazia arde as escleróticas avermelhadas (tinha dormido mal, na noite passada). Nisto aproximou-se uma mulher trigueira, enorme, matronal. Perguntou as horas. Tinha sardas na pele, um nariz grosso que se assemelhava a um nariz suíno, e olhos azuis, cristalinos. Respondi e ela agradeceu delicadamente, num gesto que deve ter considerado oportuno. Calei-me. A mulher também emudeceu. Mas continuou a olhar-me obliquamente com seus olhos enormes, sorrindo levemente. Senti-me aborrecido, muito mais do que até então me sentira. Sentia um insidioso asco infiltrar-se nos meus pensamentos, um asco persistente que vazava daquele oceano circular que circundava as pupilas da mulher. Encolhi-me, nervoso. Estalava os dedos, apertava-os uns contra os outros, mirava a calçada de concreto cinza, cheia de frinchas nas quais crescia um matinho viçoso. Afinal levantei-me – o sol golpeou-me o rosto com energia, mirei o semblante da mulher – perturbaram-me os seus olhos agora translúcidos, mudos, ansiosos, desgraçadamente claros – levei as mãos à fronte com se estivesse verificando a sua temperatura ou secando o suor... inquietantes, os olhos da mulher... perplexo, os olhos ardentes, comecei a caminhar aceleradamente, sem voltar-me. Senti atrás de mim o ronco do ônibus que se aproximava... não me importei. É preciso andar, pois há perigosos, mortíferos olhares num ponto de ônibus.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Pegajosidade, barro - e sangue

Para Lize, um presente sujo de afeto


Numa tarde inexpressiva, Homem e Mulher caminham lado a lado numa rua de areão úmido, coberto por uma pegajosa mistura de água e barro.
Não se olham. Seus rostos estão virados para frente. Caminham inexoravelmente calados, embora falem banalidades. Porque no fundo de suas palavras há um constrangido silêncio.
Homem está comovido por estar tão próximo de Mulher. Sente por ela qualquer coisa que o agrada, uma afeição doce que lhe escorre pelo interior do corpo até sair transvertida num aliciador sorriso permanente. Deseja-a também, mas isso é outra história. Desejo se sente por qualquer mulher bonita. Homem experimenta um sentimento perplexo de inesperada suavidade perante Mulher, é tomado por carinhoso ardor quando está com ela; um ardor que o deleita e o obriga a procurá-la com o olhar ávido, um ardor que o obriga a tocá-la num gesto discreto, sem alarde. Ama-a?
Os passos de Mulher são céleres. Seu tênis é preso rapidamente pela sola ao chão viscoso, mas liberta-se rapidamente, e a marcha continua. Seu pensamento é recôndito, se oculta nas regiões abissais de um oceano sombrio, surpreendentemente castanho na superfície e negríssimo no fundo. Mulher sorri amiúde para Homem. Sente por ele apenas amizade, a desinteressante e banal amizade do cotidiano. No íntimo talvez o despreze, mas não ousa afirmar isso a si mesma: limita-se a sorrir, meiga, invólucro de feições.
Os sentimentos dos dois emaranham-se numa teia larga, invisível, incontornável e inescapável para ambos. Estão unidos insensivelmente, hesitantes e cegos. Buscam-se por motivos vários – que não precisam ser narrados, porque são simples, fáceis, metafísicos, fortuitos. Ocultos e sonolentos.
Homem e mulher caminham lado a lado, na tarde inexpressiva. Jamais chegarão ao seu destino, pois o instante que os une é eterno e intransponível. Buscam-se na escuridão, apalpando-se à distância. São eles mesmos, indesculpavelmente eles mesmos. Caminham juntos, cegos e silenciosos, sob o céu cinza, fora do mundo. E do tempo.

Vanildo

terça-feira, 1 de abril de 2008

O Enterro

Para A., como extirpável lembrança


A terra breve e as construções cimentadas das circunvizinhanças ainda estavam intumescidas pela indecisão da aurora quando Versamann despertou. Primeiro abriu os olhos de pálpebras endurecidas e piscou-os durante algum tempo, para em seguida soerguer o tronco e olhar perplexamente o quarto. Os móveis e as paredes guardavam um modesto tom azulado que vinha filtrado das janelas cerradas. Versamann sorriu e isso o fez desinteressadamente satisfeito. Levantou-se, despiu o pijama e postou-se definitivamente nu em frente ao espelho, observando seu rosto onde pretejava uma hera negra e cabeluda.Ficou refletindo durante uns minutos, imóvel.”Como é estúpido acordar”, pensou. “O silêncio do sono se assemelha de tal forma com a morte que dormir pode ser considerado um ato vicariamente nostálgico, de substituição.” Essa reflexão o agradou tanto que atentou nela com exclusividade, tentando condensá-la num aforismo dramático, de grande efeito estilístico. “Ora, estou perdendo tempo”, ponderou, “minha mente está inventado pretextos para esquecer-se do que determinei a mim mesmo.” Sorriu amargamente, como se só agora tivesse lembrado de algo importante. “Isso, hoje é o dia do meu dever. O dever.” Coçou o queixo. O céu se recortava cor de chumbo contra a janela. Vestiu-se.

“Credo, rapaz, você está parecendo o demônio”, disse-lhe a mãe – uma estranha figura banal – ao vê-lo vestido totalmente de preto. Versamann surpreendeu-se como fato dela estar acordava àquela hora. A mãe ficou observando-o com olhares exprobratórios e calados. Versamann notou, no espelho que se equilibrava na parede defronte dele, que sua própria pálida fisionomia dura cingia-se no vidro à loura parte posterior do crânio da mãe. Aquilo lhe comoveu indizivelmente, com uma intensidade tão exclusiva que ficou irritado com a própria comoção. “Não tenho fome”, disse sem ênfase, olhando a mesa posta. Caminhou marcialmente até a porta.

Na rua observou a neblina da madrugada que se fundia ao céu num movimento lento e inflexível – ou seria a sua vista fatigada de absorver a claridade do sol? Contemplou com curiosa estranheza a rua de areão úmido, as casas indistinguíveis na cerração; passou uma pessoa e Versamann não se espantou ao notar que no lugar de um rosto ela tinha uma caricata máscara embaçada.

Versamann se sentia apaticamente desperto, a poeira milenar da raça humana o envolvia num torvelinho de cavernosas lembranças de amor, suor, sangue e sofrimento. Postou-se no meio da rua, a neblina densa ao redor de si. A boçalidade daquela rua triste não o agredia, estava já acostumado a odiá-la constantemente em suas noites sombrias perenemente atravessadas por febres e presságios. A civilização humana lhe inspirava o mesmo desprezo; não a amava como dizia a todos; a hipocrisia, ah!, a moralidade dos caminhos simplórios, o infinito temer sem reagir. Versamann vivia como uma larva repulsiva que se violentava intimamente para continuar vivendo em meio a outras larvas de igual asquerosidade; experimentava satisfação apenas na escuridão do seu quarto, bloqueado e trancado por dentro, o mundo fragmentado na janela, os fios da normalidade pendendo impotentes ante a liberdade de sua reflexão. Mas havia o sentimento, aquele sentimento que escarvava seu âmago e o suavizava – era preciso destruí-lo. Era preciso destruí-lo? Versamann dobrou fortemente os dedos em direção às palmas.

Era preciso dar o golpe de misericórdia, dizia uma sombra negra que grassava nos seus pensamentos. Era preciso destruir à lâmina de espada e a fio de machado num golpe seco e breve, profusamente sanguíneo. Era preciso, era esse o seu dever... “A fortaleza, a fortaleza da escuridão”, murmurou Versamann ao ajoelhar-se e sentir inúmeras pedrinhas atritarem seus engonços. “É preciso! E que seja aqui mesmo”, disse ainda com convicção ao dobrar o pescoço ao golpe.

Quando desgrudou as pálpebras, Versamann sentia uma violenta enxaqueca. Enxergou de pronto um pequeno caixão de chumbo perto de si, um pequeno caixão de alças douradas das quais pendiam, como cipós, fitas inquebrantáveis onde se podia ler em caracteres negros: Requiescat. Versamann resfolegava suando, as mãos contraídas no peito, a boca entreaberta. “Acabou, ou quase”, refletiu com amargor. Lentamente Versamann adiantou-se para o caixão, segurou as alças, preparou os músculos e as articulações, e num arranco o suspendeu. A neblina agora estava mais cerrada; era esquisito, mas o céu parecia inclinar para a terra, pois o tom de chumbo incorporava-se à neblina de tal maneira que já não se podia distinguir sequer as casas que circundavam a rua.

Versamann começou a andar em linha reta, sem se importar em ver-se privado de enxergar o caminho. Esse detalhe tão preocupante, que o atormentaria atrozmente noutra ocasião, quase não o interessava agora. Necessitava caminhar, necessitava manter a frieza e o raciocínio claros, lúcidos... necessitava sobretudo livrar-se daquele caixão de chumbo. Sabia intuitivamente que aquela neblina o levaria a algum lugar preparado para receber o ataúde, provavelmente preparado por ele mesmo, embora não pudesse se lembrar quando nem onde. A névoa-chumbo crescia a sua volta e o envolvia como uma aura. “Sem hesitar!”, exortava a si mesmo.

Andou muito tempo. Perdera totalmente a noção do tempo. De vez em quando afloravam reminiscências em seu pensar embotado, mas elas eram inconsistentes e frágeis, como se fossem apenas idéias irreais.

Chegou. Devia ser um cemitério, mas um cemitério singular, sem cruzes nem leitos de pedra. Versamann caminhou até uma cova rasa e aberta.

Sentia um violento calafrio eriçar-lhe os pêlos dos braços, mas continuou. Um espasmo que lhe prejudicou a precisão dos movimentos percorreu seus braços ao depositar o ataúde do sentimento parasita na cova. Cobriu-a de terra, mas sem pensar, a face inexpressiva, olhos enxutos, salgados. A neblina penetrava insidiosamente a sua pele, as veias carregavam um fluido denso, rançoso de desgosto, decepção e martirizante alívio. Matara-se? A lembrança da mãe, em especial a parte posterior do seu crânio refletido no espelho, emergiu num gemido à superfície de suas idéias, intumescida de vago desespero.

A cerração era total.

Num impulso convulso de dor Versamann ajoelhou-se sobre a cova. E mal teve de murmurar uma sílaba de reconciliação e saborear um gelado grão de são que lhe roçara a comissura dos lábios porque a neblina, num gemido compridamente silencioso, o absorveu.

VANILDO SELHORST DANIELSKI

domingo, 23 de março de 2008

Desprezo

Desprezo a simetria raivosa das ruas.
Desprezo o típico sorriso leve
A típica risada bem-humorada do final de tarde.
Desprezo a penetração suave do suor na pele
Do sal na pele
Do amor na pele
da rotina: na pele.

Desprezo dissimuladamente
O cimento prepotente dos prédios
O brilho irônico dos automóveis.

Desprezo sem querer desprezar.
Desprezo o capitalismo e o socialismo
Desprezo a flor e o lodo - conúbio - dolo
Desprezo o lirismo e a crueza
Desprezo. Desprezo. Desprezo.

Desprezo meu próprio desprezo, reticente.
Desprezo eu próprio - espinho, coluna de sombras.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Possível impossível

Converso eu com Anônimo, uma prosa filosófica e metafísica que se espicha pelos gritos e risadas do recreio e tritura-se na mastigação opressiva dos que nos rodeiam. Subitamente eu pergunto: Anônimo, quer ouvir uma história?

Depende, Anônimo responde. É um conto, um peça de teatro, qualquer coisa assim?

Estou pensando em escrevê-la sim, mas não decidi ainda, digo.

Conte-a, diz Anônimo.

Começo: toda a história deveria começar com Era uma vez. Essa expressão congela o tempo: era naquele tempo, e em nenhum outro, era naquele tempo e por isso era único, indivisível, indevassável. Portanto começarei com Era uma Vez. Era uma vez Homem-garoto, um adolescente tímido e introspectivo, frio e silencioso. Gostava de dizer reflito e concluo, e tinha espinhas na testa e no queixo, embora poucas. Pois bem. Homem-garoto não tinha namoradas nem amores, embora desejasse intimamente as duas coisas. Almejava tanto que um dia apaixonou-se duplamente. A primeira paixão, a mais forte, tinha por alvo uma mulher morena, de rosto harmonioso e suave, uma inteligência sensível e independente em aparência. Amou-a, mas não confessou o seu sentimento: ela parecia mais velha que ele, dava-lhe conselhos carinhosos, tratava-o apenas polidamente, com certa ternura superior. A segunda paixão surgiu aos poucos: a menina era baixinha, de sardas no rosto, um nariz fino e bonito, um par de olhos de mel, mas Homem-garoto gostava mesmo era de sua boca, uma boca vermelha e polpuda, sempre túmida. Ela escutava-o: ficou sabendo assim de seu niilismo latente, suas dúvidas existenciais pálpitas, seus ideiais literários. Homem-garoto apaixonou-se pelas duas.

Suspendo um momento a história, observo uma formiga carregar um ínfimo pedaço de folha pela calçada de concreto. Anônimo ordena: continue, continue, o que aconteceu?

Olho-o um instante nos olhos - Anônimo tem um ar bovino, de quem se acostumará à canga e irá carregá-la ao pescoço pelo resto da existência - volto a olhar para a formiga: impossibilitado de escolher, incapaz de confessar seu amor dualista, Homem-garoto perdeu-as - a primeira paixão foi sufocada, a segunda paixão afastou-se lentamente, mudou de turno no colégio. Meses depois, como a lembrança fantasma das duas mulheres o atormentasse, Homem-garoto imaginou um velório solitário, encerrou o carinho e o afeto e a saudade em caixões de chumbo, e enterrou as reminiscências em covas rasas. Chegou a recitar a oração dos mortos em latim, uma oração achada por acaso num livro de citações entre traças e um sentimento áspero de abandono.

Calo-me, desviando o olhar para uma nesga de muro mal pintado. Anônimo fixa-me detidamente e indaga: isso é uma história?

Olho para ele, sustento meu olhar de oceano e areia nas suas pupilas bovinas. Há um entendimento acre entre nós dois. Viro as costas lentamente.

Não é uma história, retruco ao ir embora. Foi uma história.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Nota (de cinco reais)

Segunda-feira, manhã. O homem – engravatado, sapato novo e terno – aproximou-se do mendigo sorrindo.

O mendigo – todo coberto, uma barba sebosa e negra – não tinha cuia. Tinha uma expressão animosa.

"Bom dia."

O mendigo permaneceu quieto, olhando a calçada.

"Aqui está", o homem engravatado estendeu-lhe uma nota. "Para você comprar algo para comer."

"Não preciso do seu dinheiro, senhor Gravata", disse o mendigo.

O homem apertou os olhos. Intrigado.

"Como?"

"Não sabe", continuou o mendigo rindo e arreganhando os dentes, "o senhor não é mais ninguém. Deixou de ser um homem há muito tempo. Hoje é apenas Gravata, Sapato, Terno, Meia, Calça Social e Cueca."

O homem abriu os lábios para falar, mas fechou os olhos e desistiu.

"Tenho pena do senhor. Não é mais ninguém. Nem nu o senhor chegará a ser um homem."

O mendigo calou-se, olhou com desdém a nota de cinco e repetiu: não preciso do seu dinheiro, senhor Gravata.

O homem descerrou as pálpebras, fitou-o algum tempo. Intrigado. Num arranco flexionou fortemente os joelhos - um de cada vez - e começou a andar apressado, os braços e as pernas rígidos, a mão direita no queixo, pensativo.

Na mão esquerda apertava ainda a nota (de cinco reais).

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Árvore salgada

À sombra da árvore salgada eu sentei.
O choro arvorava segredos.
Sentei, e fiquei.
Cascastas borbulhantes de sal despencaram das folhas
E o silvo da clorofila calou meus olhos vendados.
Havia paz, e febre.
Adormeci molhado de orvalho salgado
E ceei o despencar da noite na sombra da árvore.

Segredos despencados, furtivos.
Silêncio de penumbra.