quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O mesmo tédio dos holofotes silenciosos...

Amigo que me lês (se é que alguém adentra neste espaço ermo, hermético cubículo de palavras abandonadas que guardam sentimentos acres em suas linhas escassas), deves ser uma pessoa entediada. Outra conclusão não posso haurir da tua atitude - afinal, quem se meteria a analisar os escritos de um jovem enfadado senão um alguém capaz de compreender, ainda que minimamente, a carga de galante desamparo que viça na face deste autor? De certa forma, amigo, ambos estamos mal apoitados num mundo de pensamentos hesitantes e desencontrados. Entrevejo certo ressentimento ancestral nesses olhos que percorrem estas linhas - ah, a ânsia de defrontar-se com próprio eu no rosto remoto de uma outra pessoa, a rutilância esfumaçada que permeia a escuridão da alma, a perplexidade. Enrolamo-nos nessa amarga teia de sonhos, desenganos, muxoxos - emergimos de um pântano aparentemente indevassável e nos defrontamos nesta hora de mistério, "vis à vis", alheios a nós mesmos, a essência humana primária perdida nalgum recanto inconcebível. Que sobra de nós? De ti, nada consigo extrair. No ponto em que repouso, sentado deleitosamente numa cadeira almofadada, sem espaldar e sem desejos, só me acodem as forças necessárias para abstrair-me da minha própria humanidade o suficiente para que minha alma se recoste à sombra de alguma esperança muito antiga, muito lisonjeira e irremediavelmente indistinta. E tu? O que sentes enquanto tentas decifrar com fidedignidade esta ordália tautológica? Algum eco de sensações olvidadas assoma no pórtico de sua lembrança? Ou um nó inarredável prende tua garganta a algum sentimento que deve ser repreendido, compactado, escondido, aprisionado? A mim, esse circunlóquio se afigura como uma bela alternativa para sofrear estes ímpetos de arrojar-me numa rotina de autômato, sem memórias ou preocupações, ou precisamente com estas. A alma é dúbia: justamente quando parece se afogar numa placidez que só deve ser praticada nas paragens do Éden, uma cerração indefinível estaciona sobre a limpidez do céu anilado, corporifica-se numa neblina que paulatinamente recrudesce até constituir-se numa hera que escala os montes escarpados da alma e a domina por inteiro. Esse processo tem vários nomes pouco lisonjeiros: escuso-me de enunciá-los. Tu, que agora fitas o horizonte estreito da tua sala, do teu quarto, da tua realidade endurecida, te pões a refletir acerca das minhas considerações, enxugando um suor imaginário e edificando, com medido cansaço, as objeções pertinentes - objeções que teimam em permanecer no terreno utópico de onde nascem usualmente todas as inspirações. Nada te acode, tudo te escapa das mãos espalmadas: chapinhas no lodo do pensamentar, derrapas na fria ladeira do abandono intelectivo. É neste ponto que deixo-te só, a fruir com rancor moderado a letargia de uma tarde de quinta-feira que se vai encaminhando para o crepúsculo, malgrado a melancolia curvilínea que agora se prende às tuas pupilas.

terça-feira, 5 de julho de 2011

E a noite de frio e vento. Lá fora...

Arre, que o torpor dos séculos humanos, carregado com o ranço dos tédios mais denodados, e repassado às gerações supervenientes, está importunando novamente meus sentimentos. É a mesma coisa que se repete com litúrgica pontualidade, com irritante intermitência: primeiro me afogo em uma rotina hirta e inflexível, atento aos meus deveres, comprometido com as obrigações que as pessoas vão empurrando para o meu lado com desfaçatez; depois vou gradativamente perdendo o interesse nas coisas que antes atraíam minha atenção, deixo de perceber os pequenos detalhes que são capazes de infundir algum interesse a uma existência; por fim, depois de superar todas as agruras de um humor suspeito, faço questão de arrojar para longe toda a carga de responsabilidades e deleites que constituíram a nata dos meus dias pretéritos para então embrutecer-me nessa fastidiosa inamovibilidade, que irrita meu senso produtivo e faz-me perder todo o orgulho. É sentimento? É loucura? É indecisão? É apenas o gesto grave de quem já não encontra sentido nas coisas senão no momento em que artificialmente cria esse significado instável, cego e impertinente?

Escrevo isso e entao fito as paredes do meu quarto, um local seguro, caloroso, afável a minha intuitiva solidão. Janela, abajur, celular abandonado na cama, um navio em miniatura esculpido na madeira, um guarda-roupas, um grande espaço vazio no qual pretendo colocar uma escrivaninha, e eu, o objeto menos relevante nessa amálgama de insensibilidade. Desejaria escrever como Fernando Pessoa, oh, não conheci quem tivesse levado porrada, o dono da tabacaria sorrindo, o binômio de Newton arredando a beleza da Vênus de Milo, Deus meu, que digo eu? Tresvariando. Não: é ainda a manifestação do tédio, este galante e petulante e desconcertante e ainda assim fleumático tédio. Contudo, que é o tédio?, pergunta-me o filósofo que habita em mim. Para o inferno a filosofia, o niilismo, o ceticismo, o platonismo, o socialismo, o kantismo, todos esses arcabouços encarquilhados e cegos. Para o inferno, para a puta que os pariu - quem era o autor que dizia que o palavrão tem efeito catártico? Rubem Fonseca, creio eu. Intestino grosso. Sei.

Que fazer, "mon cher ami"? É uma noite de frio e vento. Lá fora... Poderia lavrar uma metáfora com isso, engendrar uma história, quebrar essa monotonia de sangue e gelo que me atormenta. Atormenta? Às vezes desconfio que todo esse descompasso, todo esse propalado desarranjo em relação ao mundo e às coisas seja apenas uma desculpa para desimpedir minha verborragia, para externar uma dor que não sinto, para asseverar sobre concepções que não acredito, divisar cenas que não vejo. O poeta é um fingidor que finge tão completamente que chega a acreditar que é dor a dor que deveras - Fernando Pessoa e seus apotegmas. Nascer de novo seria solução? Ressuscitar para uma nova realidade, na visão dostoievskiana - um caminho plausível.

O fato é que estou farto de semi-deuses.

E é uma noite de frio e vento. Lá fora... Lá fora?

domingo, 24 de abril de 2011

Uma mente vadia...

Não costumo escrever sobre mim neste espaço. Na verdade, há bastante tempo que já não escrevo nada nesta nesga de mundo virtual que já congregou os meus sonhos e preencheu-me de esperanças a vaga mente de criança em rebeldia... A faculdade que abracei não deve ter me auxiliado neste particular. O curso de Direito, em que pese a propalada intenção de produzir profissionais humanistas, na proposta vetusta que secundou o decreto de imperial que criou no país o curso de Ciências Jurídicas, tem demonstrado - ao menos em minha tênue cosmovisão - acalentar o ideal de produzir seres capazes de decodificar as leis e os pensamentos humanos em teoremos linguísticos com conteúdo lógico, quase matemático. Há, obviamente, disciplinas que não se coadunam com essa rigidez, e seria perda de tempo enumerá-las. Falo de essência, de feeling, de qualquer coisa que transcenda a puta hemorragia do mundo cotidiano e investigue com mais nitidez as águas turvas da consciência humana...

Desculpe. Empolguei-me. É ainda resquício de uma existência entregue aos desvarios do sonho. Despi-me disso há algum tempo - não totalmente, é certo. Ainda não me tornei um misantropo, nem aspiro à tranquilidade que, dizem, somente um ermitão empedernido pode fruir em sua cascata de emoções primevas. Quando mais jovem - tenho vinte anos incompletos, no momento - acreditava numa série de coisas que hoje me fazem sorrir. O sarcasmo, que nos meus tempos de pré-adolescência era apenas uma existência parasita e inofensiva, parece invadir-me cada recanto da alma. Há resistência, certamente. Amo apaixonadamente uma princesa de dezessete anos de idade, de olhos verdes, boca magnética e ternura inesgotável. Mas uma boa parcela da alma já foi tomada por um sentimento indefinido, mescla de tédio, descrença, quietude, tranquilidade e sofrimento.

Na verdade, enfarei-me do tempo. Quando quedo silente, cheio de uma reverência ancestral pelas coisas mundanas que são maiores que minha compreensão, percebo que a poeira temporal mancha cada recanto de pensamento que eu possa engendrar, mesmo nos meus paraísos mais íntimos, e então nada mais interessa, tudo se sedimenta num tédio sem remédio, e ao final abandono qualquer quimera. A minha forma peculiar de observar o mundo, a calma com que procuro traduzir minhas impressões e conduzir a marcha de minha existência, não obstante os arroubos que eventualmente se me irrompem, e principalmente a paixão por uma rotina obediente, sem grandes sobressaltos nem emoções, desenvolvida num ritmo homogêneo, é sinal de uma resistência obstinada, uma indignação surda, contra as molas do tempo. Costumo reclamar de forma veemente contra a sua corrida insana, contra esse jeito linear que enseja a perda das melhores horas, trasvestidas em céleres sessenta minutos que mal conseguem abarcar as necessidades rotineiras. As pessoas que me escutam riem, dizem que é normal uma tal situação, que o tempo precisa exercer com bastante fidelidade o seu ofício. Discordo: o tempo tem acelerado a sua atuação, penetrado em domínios em que lhe não era facultada a entrada, e tem tomado de assalto as vidas.

É domingo. A noite já começa a tornar-se mais sólida e perceptível no céu desmaiado. Novamente, consegui escrever apenas o suficiente para deixar impressa uma algaravia de impressões descontextualizadas que mal merecem uma atenção mais cuidadosa. O jeito, pelo visto, é recolher-me ao meu silêncio repleto de palavras arrevesadas, de frases engulhadas em estômagos hipotéticos, de hesitações e imprecisões, e persuadir-me, de uma vez por todas, que não há literatura que baste para conjurar o desespero tão inocente de existir.