tag:blogger.com,1999:blog-61117790297579607182024-02-18T18:19:57.365-08:00Espelho de AreiaAreia é espelho não revelado, ao dispor da poesia. Fitar-se na areia é descobrir-se minúsculo e infinito. Fitar-se na areia é ler o mistério trêmulo da própria vida. Fitar-se na areia é ver-se grão e imensidade.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.comBlogger31125tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-67556607725270347522019-10-20T05:06:00.000-07:002009-10-20T05:09:49.495-07:00Um eu à procura de um absoluto, ou forcejando por repeli-lo?<div style="PADDING-BOTTOM: 0px; MARGIN: 0px; PADDING-LEFT: 0px; PADDING-RIGHT: 0px; DISPLAY: inline; FLOAT: none; PADDING-TOP: 0px" id="scid:66721397-FF69-4ca6-AEC4-17E6B3208830:a801fe9a-bc87-4cf0-a920-7306b2668203" class="wlWriterEditableSmartContent"><a style="BORDER-BOTTOM: 0px; BORDER-LEFT: 0px; BORDER-TOP: 0px; BORDER-RIGHT: 0px" href="http://cid-60c88ddd006c3965.skydrive.live.com/redir.aspx?page=browse&resid=60C88DDD006C3965!576&ct=photos"><img style="BORDER-BOTTOM: 0px; BORDER-LEFT: 0px; BORDER-TOP: 0px; BORDER-RIGHT: 0px" alt="Exibir V S D" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxB3bKY2dRU-lYF4lpwUJldGkuFuJkjYkOcL4ylMLA8acC7-eSDSOFGIIBvPTcM4akYHWf-ofmmTqbM7V3vxUyBaeqlMonCwolTp8oftv2V7vymo82VUKv7rTsco-zoHTy4Mm9vwg0pPkO/?imgmax=800" /></a> <div style="TEXT-ALIGN: right; WIDTH: 640px"><a href="http://cid-60c88ddd006c3965.skydrive.live.com/redir.aspx?page=browse&resid=60C88DDD006C3965!576&ct=photos">Exibir Álbum Completo</a></div></div>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-49715554364983379492013-03-10T16:16:00.003-07:002013-03-10T16:16:15.928-07:00Estranhamento de medos<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Uma insônia persistente roubava-me as
horas escassas de descanso. Era com calado desespero que me virava no leito um
tempo sem medida, refletindo com as pestanas pesadas, as tábuas rangendo sob
meu corpo, mosquitos fastientos voando em espirais insidiosas sobre minha pele,
zumbindo uma sinfonia de aborrecimento que invadia meus sentidos e os acordava
agudamente, doloridos como se feridos por facas. Discutia, horas sobre horas,
com os meus eus recônditos, entretido num monólogo pluralista repleto de
considerações filosóficas, réplicas mordazes, lacunas insuperáveis que
estacionavam o meu cansaço sobre as bases florescentes de uma utopia feita de
segredos. Conseguia conciliar o sono somente quando a aurora ensaiava sua
melodia de luz no horizonte azulado do alvorecer.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Daquele tempo, o que minhas
reminiscências guardaram corresponde a cristais de emoções que se incrustaram
no mosaico de minha alma e marcam sua influência nos meus passos. Era com
profundo tédio que me erguia pela manhã, sonolento e indiferente. O dia era de
um aborrecimento atroz, as imagens da realidade impunham-se aos meus olhos
fatigados e tornava-os inexpressivos. As pessoas eram vultos confusos que eu
mal distinguia dentro de minha obsessão. Com os olhos espetados nalgum ponto
invisível do espaço, as pernas percorrendo um caminho persistentemente
semelhante a todos os outros que já trilhara, indagava-me repetidamente sobre
os mistérios que minhas cogitações não elucidavam. Via-me transportado ao pico
planáltico de um pedestal particular, imune e absoluto, estático e inacessível,
tentando decifrar os enigmas de um mundo físico que parecia viver na
dependência estranha de um outro mundo, muito mais belo porém incompreensível.
Distanciava-me das coisas e das pessoas com veemente rancor, preso numa espécie
de torre quimérica, levemente reverberante, convictamente pronto a repudiar as
agruras rotineiras da vida diária como meras reproduções de existências
medíocres. Assim devorava as horas de luz e calor. Aguardava, expectante, a luz
natural desmaiar sob o fluir do tempo, para então contemplar, com semblante
impassível, sentado num pedaço desbotado de muro a noite desenrolar-se num
langor de amplidão, bebendo café e deleitando-me com a doce sensação de
inatividade que me dominava. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Foi numa noite dessas, quando a
atmosfera resplandecia com a alegria de final de ano, que decidi abandonar os
dogmas que me transformavam num escravo dissimulado. Passei a madrugada
meditando num mesmo lugar, o celular vibrando insistentemente, os postes
públicos incidindo o seu costumeiro facho de luz amarelenta sobre a rua e as
árvores silentes. Minha casa estava tomada por curiosos familiares que me
fitaram com mudo encantamento e surda raiva no momento em que entrei na sala e
fitei a todos numa interrogação atônita. “Mas o que é isso? Invadiram a minha
casa por quê?” Lembro minha mãe, cujas cãs acentuavam-se numa medida dolorosa
para a sua vaidade, olhar-me entre lágrimas com uma expressão de repulsa, como
se adivinhasse em meus olhos o que estava prestes a dizer. Volvi os olhos para
um canto, percebi que algumas das minhas tias estavam ajoelhadas ante uma
imagem de Nossa Senhora da Aparecida, orando contritamente. A fúria dominou
meus sentidos, experimentei um desejo fulminante de gritar àqueles entes
ansiosos o quando me enojava a sujeição deles aos dogmas e às verdades. Depositei
sobre a mesa as chaves que apertava na mão direita, e solene, sem escutar as
perguntas apressadas e nem responder aos abraços apertados que estreitavam meu corpo,
proferi uma mensagem que desenhou em seus rostos uma estupefação impotente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
menino seguia o pai com a alegria transparecendo no rosto pequenino. Fazia tanto
tempo que não saía com o ele sozinho, os dois entregues às cumplicidades
insubstituíveis que se estabelecem entre dois amigos que se conhecem
profundamente, que ele desejava tornar esse momento único, de modo que nem o
tempo ou as saudades fossem capazes de apagar de suas lembranças a impressão
vívida e confortadora que sentia.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Os
dois passaram a tarde executando as tarefas mais diversas – lendo, jogando
futebol, construindo um carro de rolimã, pescando, arrumando a casa de campo
que se bagunçara com os seus esforços prazenteiros. Meio exaustos, sentaram-se
na relva para observar o crepúsculo que se avizinhava da nesga do matagal que
se erguia, longe e belíssimo. <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Pai”,
murmurou depois de hesitar algum tempo, “o senhor acredita em Deus?”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
pai olhou-o um tanto surpreso com a intempestividade da pergunta, endireitou o
corpo para que os olhos dos dois pudessem fitar-se diretamente, guardou numa
caixa depositada ali perto uma pedra que estivera segurando desde que sentara
na relva. <o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Por
que está perguntando isso?”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Porque
o senhor nunca me disse nada sobre isso. Perguntei algumas vezes à mãe, mas ela
sempre desvia os olhos e faz uma cara brava, sem responder nada. Fiquei
curioso...”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">.
O pai pensou um momento antes de responder. Seu peito inspirou profundamente e
os olhos repousaram novamente sobre o sol alaranjado e dormente<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Eu
não sei o que dizer sobre isso, filho. Às vezes, fico pensando sobre isso
durante bastante tempo, mas nunca chego a uma conclusão. Sou tentado a
acreditar firmemente na existência de um Deus benfazejo que nos governa
bondosamente, mas também sinto uma forte descrença transparecer em meus
pensamentos. Nunca gostei de ir à missa, obedecer àqueles ritos cheios de mofo
e pó que os padres e beatas tentavam-me incutir. Li a Bíblia em algumas
ocasiões, por curiosidade, e fiquei com a impressão de que a o livro sagrado
não fala do mesmo Deus em todas as passagens. No antigo testamento, fiquei com
a impressão de que o Deus dos hebreus era um déspota consumido pela sede de
vingança e punição, exigindo de seus seguidores uma virtude maior do que aquela
que os humanos efetivamente podem demonstrar. No novo testamento, Deus muda sua
face a tal ponto que, num gesto repleto
de bonomia, chega a nos ofertar seu único filho para pasto de nossa fúria. Num
perdão amplo e doloroso, elimina de nossos corações a culpa e o pecado pela
morte Daquele que assassinamos. Não foi somente essa contradição que vislumbrei
na religião, mas muitas outras, que repeti pela vida afora frente a teólogos,
religiosos e outras pessoas de grande fé. Sempre fui apupado pela maioria e
aplaudido por poucos. Mas, filho, não posso dizer que tive felicidade nesse
caminho de quase descrença. A maioria das pessoas não perdoa o ateísmo, ou
mesmo a sombra dele, e relega o homem que o manifesta às regiões abandonadas de
um desprezo custosamente ocultado. Vivi muito tempo triste e cabisbaixo,
desejando uma fé sólida como a daqueles que me rodeavam, sabendo, entretato,
que jamais seria capaz de alcançá-la, pois meu coração foi forjado de forma
diversa à do coração dos outros. Porém, superei a maioria dos dissabores e
adquiri uma certa tranqüilidade íntima que, creio, deve ser muito mais saborosa
que o gozo religioso.Tenho um filho, uma situação estável, uma felicidade
imensa de olhar as coisas de mundo sem pressa e com profunda reverência: isso
basta.”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
menino ainda não estava satisfeito. Queria uma resposta definitiva que o
guiasse também, porque a perplexidade que sentia frente às discussões ásperas
do mundo perceptível com o mundo utópico relatado por seus parentes resultava,
em seus pensamentos, numa batalha onde a crença e a fé perdiam um espaço cada
vez maior.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Mas
o senhor acredita ou não? Ser tentado a acreditar não é igual a acreditar ou
não acreditar. É uma indefinição...”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
pai suspirou e tocou o ombro do menino.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Juninho,
imagine que exista uma verdade única e poderosa, oculta em algum ponto distante
do universo. Imagine que ela está tão distante, e suas afirmações são tão
categóricas e certas que o gênio humano jamais seja capaz de entendê-la de
maneira conveniente. Imagine também que, em algum dia indefinido, os homens
consigam encontrá-la e desvendá-la, submetendo-a em seguida à apreciação dos
seus semelhantes. Decifraram-na em todos os seus meandros, apresentaram-na
cheia de pompa, única guia nova do ser humano. Muitos se regozijam, outros se
lamentam, há um alvoroço tremendo em todos os rostos. Por fim tudo se acalma,
os homens e as mulheres acostumam-se ao domínio da verdade. Contudo, depois de
algumas semanas, uma onda de depressão percorre as fileiras da sociedade.
Intrigados, os homens que desvendaram a verdade perguntam a alguns dos
atingidos pela tristeza o motivo de apresentarem semblantes tão pesados. ‘Nós,
senhores’, responde um deles, ‘ não pedimos que nos trouxessem a verdade. O que
nos embriagava as vidas era a suspeita, a crença, e mais que tudo, a simples e
importante possibilidade. Não desejávamos a certeza, preferíamos a dúvida. O
que nos resta? A verdade aí está, imutável, única, não está sujeita à
discussão. Fomos arrancados da nossa condição de pensantes e criadores,
tornamo-nos simplesmente contempladores da essência, do mistério, e agora
estamos acorrentados à necessidade de nos submetermos. Despedimo-nos da
transitoriedade, estamos agora presos ao momento presente, à direção definida,
rumo a um futuro cujo horizonte estará delimitado pela certeza, sempre, sempre
a certeza...’ Os homens que ofertaram a verdade aos seus semelhantes
perturbaram-se, e viram nascer, aos poucos, um movimento surdo que beirava as
raias da irrealidade. As pessoas que o abraçaram passaram a viver simplesmente
sem comentar, perceber, querer ou fitar a verdade, como se ela não existisse ou
estivesse ainda inacessível. E contudo ela permanecia ali, visível, palpável,
fitando a todos na sua perenidade irremediável. Aos poucos o templo erguido ao
culto da verdade foi-se esvaziando, cada vez mais raras e pobres as oferendas
que se depositavam no seu altar luxuosamente ornado. O movimento tinha-se
alastrado tão intensamente que já não imperava na sociedade a influência da
verdade, e sim o estigma renovador da dúvida. Os homens tinham escolhido a
cegueira, a surdez, a imaginação ampla e descompromissada com os liames reais -
e a verdade ficou lá, encarapitada no pedestal construído para abrigá-la eternamente,
empoeirada e faminta de atenção, a esperar pela idolatria dos homens que jamais
se ajoelhariam novamente à sua frente.”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O
pai calou-se um momento, sorriu para o menino, e levantou-se. Ergueu a caixa
que continha a pedra guardada, e arrojou-a longe.<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<i><span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“O
importante, meu filho, não é desvendar a verdade, ou como quiser chamá-la. O
importante é viver sabendo que ela existe simplesmente para nos tornar melhores
do que somos, sem necessidade de uma revelação ou de um apocalipse que coroe a
glória de não-sei-o-quê. Se a verdade existe, prefiro que jamais seja
descoberta.”<o:p></o:p></span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Pouco depois de ter dito tudo o que
pensava à minha família, fiquei sozinho, sem receber vizinhas, por umas duas
semanas. Refleti que o escândalo devia ser grande ainda nas consciências
estupefatas, sorri satisfeito e dispus-me a ficar recluso em casa, lendo,
ouvindo música clássica e escrevendo. Ao fim de quinze dias, uma batida na
porta. Era meu tio Alberto.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Juninho”, ele começou, depois de
sentar-se, “vim porque não engoli aquilo tudo o que disseste. Gostaria que me
explicasses por que quiseste adotar esse tipo de pensamento, por que repudiaste
todas as tuas crenças que sempre foram as nossas, as de todos nós, por que...”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Tio”, atalhei, “ é irrelevante
perguntar acerca do porquê. O que realmente interessa é que decidi não seguir
mais os ditames religiosos que vocês sempre ensinaram e incentivaram. Foi uma
decisão madura, que eu já analisava há muito tempo. Não há o que discutir, há
apenas o que aceitar,se desejarem fazer isso.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Mas”, retrucou ele, “sabes que nossa
família nunca admitiu o ateísmo. Sempre fomos inimigos de todas as formas de
descrença e heresia...”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Heresia!...” interrompi, irônico. Uma
lufada de vento sacudiu as persianas, uma réstia de luz iluminou rapidamente um
recanto escuro da sala. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Sim, heresia! Não há outra palavra
que possa definir melhor o que estás fazendo conosco. É uma vergonha, uma
tremenda idiotice, uma falta de respeito! tua mãe está a ponto de ter um
ataque. Ela está tão idosa, coitada! E tu...”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Eu estou preservando aquilo que eu
acredito ser o correto e o verdadeiro. Admito que comuniquei meus pensamentos
de forma rude, mas ao menos salvaguardei a minha sinceridade. Se há uma coisa
com a qual não podem acusar-me, é com a insinceridade.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Não é honroso ser sincero quando isso
implica em desqualificar um conjunto de tradições religiosas que nunca fizeram
mal a ninguém.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Claro, claro. Aqueles que foram
maltratados pela intolerância religiosa nunca reclamaram. Ou estavam mortos, ou
tinham as línguas cortadas, ou eram emudecidos de outra maneira menos incômoda.
Efetivamente, a reclamação deles nunca chegou a melindrar os sentimentos puros
de quem só pensou, diuturnamente, no bem da humanidade.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Tio Alberto levantou-se, enraivecido.
Detestava a ironia. Fitou-me com um desprezo tangível nas pupilas diminutas. O
cabelo, longo, caía-lhe sobre as maçãs do rosto, o rosto brilhava, suarento.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Ninguém está falando dos erros
humanos realizados por aqueles que detém a mensagem de Deus.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Sei, são apenas os ensinamentos
profundos e verdadeiros, dignificantes da alma humana, que merecem ser
escutados e obedecidos. Prefere então que eu ironize a doutrina religiosa?
Posso fazer isso sem a menor dificuldade.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Um riso rancoroso entortou-lhe a boca.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Não quero que diga nada. Tudo o que
sai de tua boca descrente é podre”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Oh, mas o que é isto? Discriminação
de credo, titio? A constituição brasileira não admite, hein. E, se não me
engano, deve ser pecado também – afinal, o senhor está desmerecendo um
semelhante, está incorrendo na ira e na falta de caridade contra um pobre homem
que não consegue conceber a graça divina nas obras portentosas da natureza.
Acho bom o senhor pedir desculpas, como um bom menino, e ir-se confessar com o
padre mais próximo. Há uma igreja aqui próxima, todas as manhãs eles tocam,
britanicamente, o sino exatamente às seis e meia da manhã. O padre é um senhor
barbudo, de olhinhos empapuçados pela gordura, a transparecer uma permanente
preguiça inata, mesclada com uma paciência persistente que recebe a todos com
uma condescendência lenta e calculada... creio que ele deve ser a pessoa mais
indicada para sanar-lhe todos os pecados da intemperança e da fúria. Já
imaginou o desastre que não seria se o Juízo Final começasse dentro de alguns
minutos e o senhor se apresentasse ao Altíssimo assim, repleto de pecado e
maculado por essas palavras acerbas? Apresse-se, titio, o senhor não tem muito
tempo!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Tio Alberto bufava. Olhou-me um bom
tempo e depois sentou-se, os olhos cansados. Desorientado, apertava as mãos em
desalento, respirava profundamente, fitava-me de soslaio. Incomodado,
levantei-me e fui ao parapeito da janela. A rua, plácida, com muitas árvores
agitando-se impulsionados pela aragem matinal. O rebuliço ventoso levantava uma
discreta cortina de pó. Aquele quadro transmitia-me um sentimento quase lírico,
uma sensação que ultrapassava as barreiras de minha sensibilidade e repercutia
de um modo afônico dentro de mim.... uma tranqüilidade soberba que contrastava com a situação incômoda que
me enfadava dentro da sala.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Tio”, murmurei, de costas para ele,
“não lhe passou pela cabeça que, ao dizer tudo aquilo à nossa família, ao
colocar-me numa situação em que facilmente seria criticado e desprezado, em que
o resultado último poderia ser o abandono e a solidão, eu não teria pensado em
todas as conseqüências com o máximo de escrúpulo? Dificilmente alguém
proferiria tudo o que eu proferi se não estivesse investido de uma segurança
corajosa. Tio”, girei o corpo, voltando a contemplá-lo, “eu já não queria a
hipocrisia calculista de quem crê em Deus por conveniência. Eu não desejava
mais o horror indigesto de quem se entrega a um credo sem a convicção da fé. Eu
não queria mais aceitar a verdade que me ostentavam como a guia única da vida, não
conseguia mais entregar-me à comoção de observar as coisas misteriosas e
simplesmente forjar respostas paliativas, refrigérios que não assassinavam as
minhas dúvidas. Era uma escolha que se me impunha, e eu a fiz, em detrimento
daquela que vocês, por vias diametralmente oposta, elegeram. Esse é o resumo.
Espero também que seja o epílogo”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Tio Alberto articulou uma réplica
tímida. Já não conseguia mover-se em prol de coisa alguma, um aperto na
garganta constringia-o ao silêncio. Tentou ainda uma acometida:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“E achas que viver sem o consolo de
Deus fará de ti uma pessoa mais feliz?”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Sorri, dessa vez com bonomia.
Apiedava-me do seu cansaço, via a velhice sulcar o seu rosto e tornar-lhe
encanecidos os cabelos, poucos anos antes, abundantes e negros. Percebia que
aquela era uma vida condenada à decadência gradual – uma queda lenta e mortal
que o paralisaria num torpor preenchido de desesperança, apenas alentado pelas
preces e a crença num Deus que lhe confortaria a lamúria de viver com o corpo
degradado com a promessa de eterna bem-aventurança num outro mundo, reluzente
de promessas de satisfações e sorrisos. Toquei o seu ombro:<o:p></o:p></span></div>
<div style="border-bottom: solid windowtext 1.0pt; border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-element: para-border-div; padding: 0cm 0cm 1.0pt 0cm;">
<div class="MsoNormal" style="border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Tio, acredito que a felicidade não
seja uma dádiva gratuita ou aleatória, e sim a conquista de uma situação onde a
dor é pouca ou nenhuma. A ordenação misteriosa que criou o mundo, seja ela o
que for, não o fez para deixarmos de sentir a dor. A existência da dor é mais
sublime que o florescimento do riso, porque a dor nos submete à reflexão, à
mudança, à transformação. A eternidade da felicidade é algo tão irreal que não
a desejo sob hipótese nenhuma. Quero, sim, viver com a satisfação de quem
descobriu que o sofrimento e a dúvida são os legados inerentes à nossa condição
de homens, e que não deseja abandoná-los sob o pretexto de uma proteção celeste
ou as promessas de uma existência de prazeres. Quero viver, sobretudo, sob o
signo da contemplação reflexiva, o olhar-pergunta que não indaga, a palavra que
não responde, o pensamento que não se
submete a qualquer barreira. Eu não nego a existência de nada – acredito nas possibilidades infinitas da vida
e na perplexidade original e indescritível do homens frente ao mundo. É o único império sob o qual vale a pena
viver”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="border: none; mso-border-bottom-alt: solid windowtext .75pt; mso-padding-alt: 0cm 0cm 1.0pt 0cm; padding: 0cm; text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Numa manhã de junho, fui acordado por
um garoto pálido, que com ar espavorido batia na minha porta e aguardava que
lhe permitisse a entrada apertando as mãos, certamente ansioso demais para
aquietar-se. Trazia um embrulho amassado, amarelado e desagradável ao toque,
que me entregou com uma pressa evidente de se desvencilhar da tarefa. Já
sozinho, abri o envelope: era uma espécie de intimação materna que me vinculava
à obrigação de comparecer frente à família inteira, no terceiro domingo do mês.
A missiva fora assinada por todos os familiares de que me recordava, e era clara
ao enunciar que ninguém ousaria convencer-me da veracidade das crenças que eu
tão publicamente renegara. O encontro teria mero caráter formal, diferente do
usual entre pessoas do mesmo sangue. Na mesma, exortavam-me a destruir a carta
tão logo tivesse apreendido tudo quanto nela se consubstanciava, e não
abdicasse de forma alguma ao comparecimento. O local do encontro era uma
fazenda quase abandonada que pertencia a nossa família, localizada no perímetro
rural de uma cidade periférica da metrópole. Refleti muito se deveria
efetivamente comparecer à intimação – já não tínhamos dito tudo quanto pudesse
importar para a situação? Por que seria necessário um novo embate, um novo
confronto de perspectivas que não podiam conciliar-se? Embora tivesse escrito de
forma tão surpreendente e solene que não pretendiam converter-me ao credo que
adotavam, não podia deixar de duvidar dessa posição tão indulgente. Decidi-me a
ir, movido mais pela curiosidade que pela necessidade de entender-me com os
meus.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Embora relativamente curta, a viagem
foi cansativa. O trânsito estava lento, a marginal resfolegava sob o bafo
quente dos motores que tornavam o ar frio uma confusão de sons e ruídos
desagradáveis. Já era final de tarde quando cheguei. O vento silvava, gélido,
inquietando as mirradas copas das árvores e torvelinhando as montanhas de
folhas secas que jaziam na relva. De longe, contemplei a casa de madeira ruim.
O telhado estava enegrecido pelas chuvas e a pintura quase totalmente
descascada. Um tom de desolação e abandono irremediável cobria como um véu a
imagem da fazenda meio agreste em sua quietude.
Era um lugar insólito para empreender uma reunião familiar, mas já não
me competia julgar os desvarios de uma família de fanáticos. Dispus-me a acabar
logo com aquilo. Marchei até a entrada, estaquei à frente da porta e olhei
ainda uma vez para as árvores melancólicas e turvas na semi-escuridão que se ia
construindo no horizonte. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Entrei lentamente, sentindo no rosto o
bafo de mofo que se desprendia das tábuas antigas. Embora imersa numa penumbra
que tornava difícil a distinção de qualquer coisa sólida, a casa parecia ainda
guardar um certo aconchego, uma ternura longínqua cuja percepção se devia mais
às minhas lembranças de menino que ao apreço às coisas vetustas. Com os braços
estendidos, tentando tatear alguma coisa para me orientar, cheguei ao centro da
sala, desorientado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Repentinamente, como num acordo silencioso,
velas dispostas em círculos sobre as velhas mesas carcomidas de cupins
começaram a acender-se, iluminando todo o âmbito empoeirado da sala. Sombras
enormes desenharam-se nas paredes, rostos soturnos apareceram iluminados pela
luz bruxuleante. Eram meus familiares, todos vestidos de negro e com os
semblantes inquisidores. Estavam dispostos um atrás de cada vela, também em
círculo, e permaneceram silenciosos por vários segundos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Que brincadeira é essa?”, berrei
desconcertado. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Permaneças calado até que te seja
dada a permissão para falar”, disse minha mãe num tom solene. ”Estamos aqui
para julgar o teu procedimento leviano e cominar-te uma pena que expie o teu
crime nefasto”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Crime?”, indaguei atarantado, fitando
todas as faces que agora pareciam de cera, dada a impassibilidade com que se
tinham revestido. “Não cometi qualquer crime, a consciência não me aponta uma
falha sequer nos meus atos que possa merecer essa qualificação. Que espécie de
tribunal ridículo pretendem imitar? Acreditam que na minha conduta exista
alguma indeterminação, algum indício de apodrecimento moral, que faça jus a uma
punição? E como podem se investir de prerrogativas punitivas? E com que
direito?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Permaneças calado até que te seja
dada a permissão para falar”, repetiu minha mãe. “Contudo, em consideração às tuas
indagações, direi apenas que estamos investidos do poder sagrado ao qual nos filiamos
no dia de nosso batismo. Tu, que renunciaste às crenças que uniram e
construíram o nosso tronco familiar sob a égide da virtude e da religiosidade,
não podes compreender como o direito de punir nasce tão somente das
prerrogativas religiosas com as quais, agora, autorizamo-nos a composição deste
tribunal. Este tribunal é legítimo porque o direito ao qual tu reclamas não se
encontra nas leis ou tampouco na ordenação terrena deste mundo, e sim na
ordenação divina que nos foi ditada. Nós representamos o brado de Deus, o seu
poder manifesto e inquestionável, a sanha de seu braço poderoso: nossas
prerrogativas são tão inquestionáveis quanto a idéia de nosso Deus”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Idéia mentirosa, leviana e pútrida!”,
gritei. “Como um poder pode nascer tão somente de si mesmo? Como podem
reivindicar para si o poder de um Deus que só se revela no mistério, na dúvida,
na fumaça, e que ao mesmo tempo exige de nós uma crença inabalável, própria dos
seres perfeitos, sem ignorar que somos feitos de barro, de sangue, de
descrença, de indecisão? É sob essa bandeira irreal que pretendem construir a
minha punição? O que diz não tem sentido, mãe. O que fazem não tem sentido!”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">O júri não titubeou. Nenhum deles
sequer esboçou um gesto de indecisão. Contemplei durante bastante tempo aquelas
faces que sinceramente amava, e cuja dureza agora ofuscava qualquer laivo de
ternura que eu pudesse demonstrar. Fitavam-me sem desviar o olhar, imersos num
silêncio abominável cheio de acusações e conclusões. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Teu pai”, proferiu meu tio num tom
glacial, “também aninhou no espírito a descrença infalível. Não tens idéia de
como nos custou, há alguns anos, infringir a ele o mesmo júri que ora se abate
sobre ti. Ele tinha uma descrença ainda mais profunda que a tua, e no entanto
entregou-se sem resistência ao nosso jugo e pereceu sob a punição que incidimos
sobre a sua cabeça. Não espere misericórdia ou clemência no teu julgamento. Não
esperes ouvir aqui a acusação, a defesa e o libelo: eles já existem independentemente
do teu reconhecimento, já estão sendo processados no seu íntimo há bastante
tempo. Convocamos tua presença aqui tão somente para que pudesses atentar na
existência desse veneno que, a partir de agora, começará a penetrar a tua vida
e destruí-la. Abdicaste do sentido superior a todos nós, o significado humano
que nos identificava, e por isso já não mereces a existência que nós
engendramos para ti. Chocaste o teu medo particular com o nosso medo íntimo,
compuseste um estranhamento que nos repeliu mutuamente e tornou possível essa
situação de trágica calamidade. Os nossos medos já não são os mesmos, eles já
não se identificam, já não se reconhecem: são feitos de outra matéria e de
outros fluidos. Quando, ao destilar as tuas heresias sobre os nosso espíritos
atônitos, revelaste o teor inadmissível de teus pensamentos, já estavas
condenado ao desespero que, ora, será o sentimento mais vívido em teu seio. Não
te apercebeste, mas já naquele momento era possível ver o nosso julgamento
pronunciando-se nas circunvoluções de tua mente e externando-se numa diminuição
desesperada de tuas próprias pupilas. Sim, naquele momento, quando tuas pupilas
diminuíram a ponto de não se distinguir sequer o brilho negro que deveria estar
presente nelas por conta das palavras tão atrozes que exprimiste, naqueles
segundos de angústia recíproca, tu sorriste apenas para dissimular um
justificável desconforto – e o medo mais cru pintou-se em teus olhos...”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Estão alucinados”, murmurei
balançando a cabeça, “não se explica de nenhuma outra forma essa...”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">“Não há qualquer palavra que possa
explicar esta situação, meu caro”, interrompeu meu tio. “Esta conjuntura que se
ergueu por nossas ações tornou-nos seres irreconciliáveis. Enquanto tu descobres
em ti mesmo a impossibilidade de nos compreender verdadeiramente enquanto
homens e mulheres convictamente engajados nos ‘pressupostos religiosos’, nós
vemos em ti uma planta que cresceu sob os nossos pés mas que não carrega mais a
nossa essência. Houve em ti, em algum momento de teu crescimento, uma deturpação
do sentido que procuramos inocular no teu sangue e no teu pensamento. Teu
caminho, que deveria ser uno, indivisível, impossível de abandonar, bifurcou-se
– ou trifurcou-se, não sei – e escolheste a via oposta. Não posso deixar de
lamentar esse fato, mas reconheço o direito subjetivo que tu sempre detiveste
para fazer tal escolha. Todavia, também deves ter em mente que o nosso direito
de discordância também possui os seus instrumentos peculiares. Podes invocar
diversos direitos que muitos chamam ‘positivados’ – ampla defesa e
contraditório, ‘devido processo legal’, ‘juízo natural’, liberdade de expressão,
repulsa inarredável dos ‘tribunais de exceção’. Podes elencar todas essas
garantias e direitos, e ainda assim não arredará de nós a legitimidade que dita
o nosso procedimento. Sabe por quê? A legitimidade que nos respalda é
supra-positiva, não se sustenta em qualquer direito escrito ou consuetudinário
que tua mente arguta possa reclamar. O nosso poder transcende as coisas deste
mundo porque busca a sua baliza fundamental naquilo que temos de mais
misterioso e reverenciável: a religião que abraçamos. Estás devidamente
informado do nosso poder e de nossas intenções. Já não nos cabe acrescentar
mais nada. O teu processo, aqui, está terminado. O libelo, já o tens incutido
na mente e nas idéias, já não podes libertar-te dele, nem mesmo olvidar o seu
conteúdo. Não é ele delimitado lingüística ou semanticamente, não possui ele
qualquer ambigüidade que possa ser gerada pela imprecisão das palavras: o
libelo é pura sensação mística, inarredável influência que te há de guiar e
absorver-te nos menores atos. Despedimo-nos de ti legando-te ao resto de vida
que ainda terás de suportar. Rezaremos por ti, acenderemos velas de cera
amarela, longas e grandes, para orar pelo repouso de tua inquietude. Recebe o
nosso julgamento e guarda-o no íntimo. Estás condenado, é só o que nos basta
para reconciliar o nosso tronco e congregarmo-nos na antiga placidez. Vai.”<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 2.0cm;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif";">Ao desfechar sua fala, meu tio curvou
a cabeça e passou a murmurar, muito mansamente, uma oração de contrição. Todos
os familiares imitaram-no. A atmosfera lúgubre lembrava a de um velório, as
teias de aranha e a poeira vetusta aumentavam o tom de desolação e abandono que
nos envolvia a todos. Contemplei silenciosa e estupidamente toda aquela cena
singular, até cerrar os olhos e sentir dentro de mim um irremediável
descompasso entre o mundo que me cercava e a realidade que se processava em
meus universos particulares. Silente, voltei às costas ao grupo circular e caminhei
rumo à porta. O burburinho tornou-se mais discernível enquanto eu marchava
lentamente. Quando transpus o limiar, percebi que a noite já baixara totalmente
o seu véu de escuridão sobre a terra, e apenas um luar alvo, muito alvo,
fazia-me companhia naquela hora tão melancolicamente bela, tão
inexplicavelmente bela.<o:p></o:p></span></div>
Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-19759199862874430642012-04-22T18:37:00.002-07:002012-04-22T18:37:08.511-07:00Espelho Quebrado...<!--[if gte mso 9]><xml>
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<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Primeiro considerou o longo caminho que se desenrolava na
forma de aléias de pedras brancas que se perdiam ao longe, desembocando numa
cadeia de montanhas cujos picos brancos resplandeciam com a luz do dia
nascente, para depois considerar a monstruosidade de seus pés descalços e
ensangüentados que mal agüentavam com o peso do corpo. Era com um sentimento de
íntimo orgulho que observava na sua pele as feridas que porejavam um sangue
fétido, e os olhos não conseguiam conter a imensa alegria ao ver a seus pés, num
trapo hediondo de sangue e horror, um cadáver de fisionomia idêntica à sua, com
a garganta aberta e os olhos opacos. Na destra ainda segurava uma faca
escarlate cujo cabo já se tornara visguento e insuportável ao tato. Ele
ajoelhou-se e examinou o corpo morto, como se investigasse a existência de
algum resquício distante de vida a tremeluzir no olhar imóvel. Ficou algum
tempo acariciando a pele lívida do outro, rindo-se sadicamente do esgar
desesperado que se desenhava naquele semblante cheio de um ódio inaudito, até
erguer-se lentamente, ainda fitando o cadáver. Quando a contemplação silenciosa
já não cabia na sua satisfação, ele permitiu-se gargalhar de uma forma malévola
que arrepiou os seus próprios sentidos. A gargalhada estendeu-se por todo o seu
sangue como um fluido de gelo que fechou sua boca abruptamente, mas o riso
ainda ecoava nos seus ouvidos quando se ergueu da cama num arranco violento,
suando, a lua alvacenta iluminando fragilmente o seu quarto. “Sonho estranho”,
disse consigo, o peito opresso. Temeu durante alguns segundos que tivesse
deixado escapar algum grito ou mesmo uma gargalhada que revelasse aos pais, que
dormiam próximos do seu quarto, que estivera sonhando, mas o medo dissipou-se
rapidamente, porque o único som que escutou foi o bater oco do seu coração. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Sentou-se na cama e ficou olhando um pedaço mais escuro
do assoalho, sem cansaço ou consciência. Desperto, contou os pisos que se
distribuíam harmonicamente, em losangos caprichosos e lisos que o surpreenderam
por não apresentarem qualquer mácula aparente. Uma limpidez brilhante cobria
aqueles pisos geometricamente recortados, e ele perguntou de si para si se
valia a pena ter uma forma definida e imutável, ser um liso losango ligado a
outros iguais a si, submetido ao pisar perpétuo de pés que sempre haveriam de
machucar-lhe a superfície, apenas pela certeza de resguardar-se da
imprevisibilidade de não possuir destino certo? Pois os losangos do piso tinham
a sua missão e essência devidamente representada pela própria função, que era a
de ornar o piso e torná-lo agradável às vistas e aos pés – nada ultrapassava ou
modificava sensivelmente essa função, e eles, se consciência tivessem, poderiam
amparar-se perpetuamente no consolo de terem seu lugar no mundo, um lugar seu
por direito, impossível de ser usurpado. Ele ficou alguns minutos refletindo
sobre essa idéia, sem pressa, os olhos agora acostumados à penumbra. Começou a
caminhar pelo quarto, sentindo uma vontade terrível de fumar, como já fizera
algumas vezes, escondido. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Não consegue dormir?”, indagou uma voz que vinha do
umbral da porta. Ele voltou-se, observou a figura silenciosamente, mas não
respondeu. Apontou um caderno negro em cima da escrivaninha. Sobre a capa,
repousava uma caneta prateada a reverberar a luz do luar.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Estava escrevendo, então?”, a figura adiantou-se, e a
quando a luminosidade natural bateu-lhe no rosto, foi possível distinguir o sorriso
que ornava o semblante de feições macias. Os olhos aquilinos de pupilas
alargadas denotavam um gênio tenaz que parecia suavizar-se pela bonomia inata
que resplandecia em seus gestos. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Não é conveniente que fique aqui muito tempo, Rosana”,
respondeu-lhe, os braços cruzados. Tentou demonstrar certa irritação, mas não
conseguiu. Os músculos faciais não enrijeceram da maneira que ele desejava, e a
fisionomia continuou simplesmente pensativa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Somos primos, meu lindo, não há nada de mais no fato de
eu conversar um pouco com você no seu quarto”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Concordo, mas deve concordar que um papo entre um casal
de primos, no meio da madrugada, perto de uma cama, num quarto iluminado pela
lua... não é o quadro mais casto que se possa conceber”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Rosana libertou uma risada argentina, que o moço temeu
por poder perfeitamente despertar os seus pais. Ela avançou para a escrivaninha,
arrebatou o caderno e o folheou, de pé. Ela vestia uma camisola que delineava
seu corpo adolescente, ao qual faltava ainda aquele apuro místico que somente o
tempo pode legar a uma mulher. Ele observou-a numa quietude absoluta,
recordando-se que há alguns meses ele tivera aquele corpo nos braços e sorvera
nele um prazer físico que o embriagou por horas. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Acho melhor você deixar o caderno onde estava, virar as
costas e voltar para o quarto. Juro que conversamos amanhã pela manhã, logo que
me levantar. É melhor”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela apenas volveu o olhar para a janela, balançou a
cabeça e bocejou.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Não seja bobo, Carlos”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>O moço apertou os lábios, e sentou na cama. Voltou a
olhar para os losangos. “Descobri outra vantagem de ser um losango de piso: não
nutrir desejo sexual por ninguém, menos ainda pelas primas”. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Rosana aparentava ler com atenção algum trecho do
caderno. Declamou em voz alta: </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Faces
voltadas para a lua</span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Noite
áspera fruindo a própria escuridão</span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Sorrisos
cálidos erguendo-se ao céu envaidecido.</span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E
como um rosário amoroso de luz, traduzindo uma oração,</span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
reflexo da lua beija a água do rio adormecido.</span></i></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Eu
não sei trovar sem cantar o infinito.</span></i></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Ela ficou parada, os olhos ainda fitos no papel.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Não entendi o verso final”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>Uma lufada de vento inquietou as cortinas. Carlos
suspirou, espreguiçou-se, olhou com tédio para o caderno aberto nas mãos da
garota, que o olhava agora com atenção.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"><span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“Nem eu mesmo sei. Ultimamente tenho escrito muita coisa
sem sentido”. Ele calou-se um pouco, sentindo uma emoção aquecendo seu sangue e
criando um bolo ligeiro na garganta. “Quando você não tem idéia definida de
coisa alguma, quando o seu mundo é composto apenas por etéreas teorias que tudo
explicam mas que não levam a qualquer conclusão prática, a literatura serve como
um derivativo ao alcance do tédio. O homem escreve sobre as páginas que se
apresentam à sua frente com a alma cansada, mas ainda aspirando a ideais que
estão muito acima deles, uma ânsia de se descobrir completo e unido ao mundo
que tenta compreender...” A sua voz tremeu um pouco, como se ele não soubesse
mais como completar o pensamento. Fixou os olhos em Rosana, ergueu a destra,
tentou esboçar um gesto que saiu tão impreciso quanto a forma das próprias
reflexões. “Eu não sei explicar”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Foi
com ternura que Rosana achegou-se ao garoto, tomou-lhe as mãos e pousou-as
sobre as suas.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Por
que precisa explicar? O importante não é sentir, como você me disse tantas e
tantas vezes neste mesmo quarto?”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Ele
aborreceu-se com a lembrança, levantou-se, olhou através da janela aquele
cenário tão conhecido das suas noites de insônia. Tão bom seria o mundo sem as
palavras, tão boa a vida sem os pensamentos insinuando-se no sangue, irrigando
os músculos, torrentes de dúvida e medo se estendendo aos gestos e perpetuando
a história da aflição e da dor... Alisou os cabelos que lhe irritavam os olhos,
tentando decifrar naquele silêncio repleto de grilos um segredo pelo qual
efetivamente valesse a pena morrer. Ah! Quantas noites devassara assim, o corpo
derreado na janela, estrelas coruscando num céu que se esvaía nas próprias e
infinitas profundezas, tudo indefinido, etéreo, fascinantemente inquietante...
Ah! O desejo sempre vivo de integrar-se àquele universo todo que lhe envolvia,
afastar de si o ódio enorme e profundo da vida em insano movimento, penetrar em
si mesmo e deixar de ser um indivíduo e tornar-se apenas uma coisa pensante, e
só, só, só! </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Rosana
levantou-se, cingiu-se ao corpo do garoto. Puxou o rosto dele contra o dela,
contemplando-o de muito perto, transmitindo-lhe o seu hálito de menta em meio a
um respirar levemente alterado. Ele endireitou o corpo, cingiu-lhe a cintura,
esmagou-lhe os seios com a pressão de seu peito, e beijou-a com uma fúria
lasciva que estava a quilômetros de distância do desejo. Ficaram enlaçados, ela
com a cabeça apoiada nas espáduas dele, pensando em mil coisas, o coração
irrequieto, sentindo-se prestes a desfazer-se em arrepios por sentir, apertado
contra si, todo o calor daquele garoto que a intrigava e atraía – ele com a mãos
acarinhando distraidamente as costas da moça, as pálpebras derreadas,
tristemente preso ao contato doce da prima. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Subitamente
desprendeu-se daquele enleio, afastou-a rapidamente e precipitou-se na cama,
repentinamente desesperado. A garota assustou-se muito com a mudança de
atitude, recuou dois passos até encontrar o parapeito da janela, de onde, os
olhos atônitos, contemplou a face decomposta do primo. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“O
que houve?”, interpelou suavemente, uma nota de carinho vibrando na voz
cautelosa.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Nada”,
respondeu Carlos, a face sombria. “Quero que você vá embora já... que me deixe
em paz... só isso”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“O
que eu fiz?”, retrucou a garota, melindrada. O comportamento estranho de Carlos
a aborrecia muito.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Nada...
só quero que vá embora”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Carlos
deitou-se com o corpo virado para a parede, sem prestar atenção à prima, que se
retirou depois de contemplá-lo ainda por um minuto. Uma aragem suave entrou no
quarto, remexeu as cortinas, inquietou as resmas de papel dispostas em cima da
escrivaninha, despertou o caderno que, aberto, ergueu algumas páginas numa
sonolenta indagação. “Por que não consigo livrar-me desse permanente desespero?
O que me leva a tratar rudemente pessoas que não possuem nenhuma culpa?”
Apertou nas mãos a coberta, as unhas fazendo pressão contra a fazenda felpuda.
“Oh! Não fosse essa convicção de estar representando uma farsa!”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Sentou-se
na cama, agarrou o celular que deixara sob o travesseiro, e discou um número.
Ouviu o chamar ritmado e insensível repetir uma, duas, três, seis vezes, até
uma voz rouca e indolente murmurar “Alô?”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Gustavo?”,
pronunciou Carlos lentamente. Do outro lado da linha, o moço respondeu apenas,
com a mesma voz sonolenta: “O que você quer? Acho que não deve ter desaprendido
a ver as horas e a proceder com o mínimo de conveniência nas suas relações, não
é? Por isso, irei pedir a você que...”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Deixe
para lá as conveniências e o horário, preciso dizer-lhe uma coisa. Eu tive um
sonho muito estranho. A impressão que ele produziu em mim é difícil de ser
explicada, e o significado dele escapa-me. Preciso contá-lo a alguém, por isso
elegi você para a tarefa de escutar-me. Ouça. Eu matava, com um talho na
garganta, uma pessoa de fisionomia idêntica à minha, e depois gargalhava, cheio
de crueldade, como se fosse um sádico. O problema não é o fato de eu ter
sonhado a morte de uma pessoa assassinada por mim, nem ter rido como um maluco
depois de tê-lo feito, mas o fato de a pessoa aniquilada ter um semblante igual
ao meu... E como estava desesperado o semblante daquela pessoa! A boca
contorcida, os olhos raivosos e perplexos, como se ainda não tivesse entendido
que estava morta, morta...”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Gustavo
pareceu escutar com atenção. O mau-humor por ter sido acordado durante a
madrugada desaparecera, o que sobrara era tão somente pasmo. Ele era um grande
amigo de Carlos. Juntos desenvolviam conversas eivadas de questionamentos e de
uma filosofia incipiente, mais teórica e etérea que prática e sistematizada.
Escutou ainda algum tempo o relato do sonho do outro, a face séria escondida no
escuro, a orelha latejando devido à pressão do celular.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Não
ocorreu a você, Carlos”, manifestou-se ele, “ que esse tipo de sonho não é mais
que uma espécie de antevisão do nosso futuro? Digo nosso, porque comungamos de
várias concepções, teorias e filosofias que nos lançam em dúvidas sempre vívidas
e poderosas. Nós relativizamos tudo em nossas vidas, Carlos, e o fizemos cheios
de uma convicção orgulhosa...”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Calma”,
interrompeu Carlos, a voz aparentando confusão, “ está me dizendo que esse
sonho não é mais que a demonstração de um estado psicológico doentio em nós
dois? Está me dizendo que nosso futuro é o suicídio?<span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Não
é isso”, redargüiu Gustavo. “O que digo é que nós, ao abdicarmos de nossos
dogmas religiosos, ao adotarmos uma postura de indagação permanente e
abrangente, ao colocarmos um ponto de interrogação na moral, nos costumes, no
nosso lugar no mundo, no objetivo de nossas vidas, nós fomos excessivamente
cruéis conosco. Destruímos nossos baluartes, e nos permitimos viver sob o signo
da pergunta. Rejeitamos como inverídicas as verdades que a religião nos deu no
seu pacotinho de preceitos cheios de mofo, buscamos nos livros e nos
pensamentos uma verdade pela qual pudéssemos viver, mas nessa busca nós
perdemos a base sólida que nos sustentava. Caímos, e o impacto quebrou algo
dentro de nós. Para o resto da vida, carregaremos uma fisionomia atormentada,
cujo reflexo será sempre idêntico ao de um espelho quebrado: os vários pedaços
dispostos a reverberar nossa imagem, ainda que lindamente unidos uns aos
outros, não deixarão de apresentar uma imagem fragmentada, confusa, avessa à
harmonia. Eu cheguei a essa conclusão há muito tempo, e cada vez me convenço
mais de que ela será a única certeza que me guiará doravante. Nós procuramos,
Carlos, uma verdade que fosse diferente daquela que nos foi entregue desde a
infância, uma verdade que fosse produzida por nós mesmo em nossa peregrinação
pelo pensamento e pelo sonho, mas a conclusão a que cheguei apenas me assegura
que terei sobre mim, até a morte, a inexorabilidade do sofrimento. E esse sofrimento
tem algo de diverso do sofrimento das pessoas que não indagam sobre as bases do
seu próprio ser, pois ele é mais profundo e poderoso naqueles que buscam um
sentido fora dos muros dentro dos quais nos vimos nascidos. Ninguém que se
atreva a pensar pode escapar à insígnia do desespero”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Carlos
não objetou nada até Gustavo terminar a fala. O tom tranqüilo do outro o deixou
pensativo: ele falava de sofrimento e desespero constantes, mas a voz não traía
nenhuma emoção adequada à seriedade do assunto. Notou-lhe essa contradição.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Você
não me entendeu bem. Meu ser, como o seu, terá sempre sobre si o peso dessa
crueldade inconsciente, dessa angústia, dessa desolação. Mas eu amo a vida, e
embora não veja nela senão uma sucessão de desgraças, há uma graça e um encanto
em seus prazeres, que reluto em deixá-la. Já leu <i style="mso-bidi-font-style: normal;">Hamlet</i>, não? O príncipe dinamarquês alega que as pessoas não se
matam e suportam as agruras por medo do desconhecido. Certo, muito bem, mas
isso não resolve o problema. Vivemos com medo e pelo medo. A resposta está
nessa afirmação? Se estiver, somos todos uma espécie depressiva e covarde,
submetida apenas a uma Vontade universal, como queria Schopenhauer, que se
nutre de desejos continuamente perseguidos, saciados, mortos e ressuscitados. A
resposta está também na Vontade? E por que não estará também na liberdade
impossível de se renunciar, como também a queria Sartre? Para onde olhemos,
para onde nos coloquemos a vislumbrar um sentido, esbarramos em conceitos
endeusados, em absolutos filosóficos que nos prendem tanto ou mais que a
religião ou a moral, e por fim num necessário motivo final. Nossas ações
precisam estar marcadas pela sombra teleológica. Se não está, é irracionalidade
que não se coaduna com a natureza humana. Se está, é ação condicionada a se
repetir até descortinar uma finalidade maior que nós próprios, uma ação que
ultrapassa nossa compreensão e apenas nos permite indagar novamente sobre a sua
razão suficiente. É um círculo vicioso, que os idiotas que criam sistemas de
idéias reputam como passível de ser vencido através da delimitação de um espaço
conceitual que sintetize e explique o homem. Mas nós, os artífices da
indagação, os obreiros das perguntas que rasgam entranhas e dilaceram a vida,
os pedreiros que destroem as casas sob as quais repousam e depois escondem-se
sobre os escombros, palpitantes e impotentes, nós vivemos com essa condição
irrenunciável de espelhos quebrados lutando para esquecer a própria imagem
partida, fitando o mundo com os olhos fechados, porque ele também não é mais
que um espelho de dimensões imensuráveis partido em pedaços grandes o
suficiente para ocultar sua face fragmentada”.</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O
vento ainda batia nas cortinas, as páginas do caderno de Carlos erguiam-se de
quando em quando, revelando algumas linhas impossíveis de se distinguir na
penumbra. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Se
eu disser que já havia pensado nisso...”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">“Você
já teve todos esses pensamentos”, interrompeu Gustavo. “Não só os teve, como
ainda os acalenta dentro de si, e certamente só faltou externá-los. Eu já os
havia desenvolvido, e aguardava apenas para dizê-los. Mas não se preocupe tanto.
A sua prima está aí, não está?”</span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 35.45pt;">
<span style="font-family: "Arial","sans-serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Carlos
desligou, abrupto. Ergueu-se, foi até o banheiro, lavou o rosto. Examinou, pormenorizadamente,
o rosto que se refletia na superfície lisa e perfeita do espelho. Depois
enveredou pelo corredor escuro, cujos quadros, pendentes das paredes, esboçavam
formas diáfanas. Estacionou uns instantes em frente ao quarto de hóspedes,
refletindo. Foi com um leve rangido, que soou como um gemido das dobradiças
ásperas, que a porta abriu-se cautelosamente, para depois ser fechada
cuidadosamente, como para proteger um segredo.</span></div>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-40123608383363144492011-09-22T11:50:00.000-07:002011-09-22T12:30:20.451-07:00O mesmo tédio dos holofotes silenciosos...<div align="justify">Amigo que me lês (se é que alguém adentra neste espaço ermo, hermético cubículo de palavras abandonadas que guardam sentimentos acres em suas linhas escassas), deves ser uma pessoa entediada. Outra conclusão não posso haurir da tua atitude - afinal, quem se meteria a analisar os escritos de um jovem enfadado senão um alguém capaz de compreender, ainda que minimamente, a carga de galante desamparo que viça na face deste autor? De certa forma, amigo, ambos estamos mal apoitados num mundo de pensamentos hesitantes e desencontrados. Entrevejo certo ressentimento ancestral nesses olhos que percorrem estas linhas - ah, a ânsia de defrontar-se com próprio eu no rosto remoto de uma outra pessoa, a rutilância esfumaçada que permeia a escuridão da alma, a perplexidade. Enrolamo-nos nessa amarga teia de sonhos, desenganos, muxoxos - emergimos de um pântano aparentemente indevassável e nos defrontamos nesta hora de mistério, "vis à vis", alheios a nós mesmos, a essência humana primária perdida nalgum recanto inconcebível. Que sobra de nós? De ti, nada consigo extrair. No ponto em que repouso, sentado deleitosamente numa cadeira almofadada, sem espaldar e sem desejos, só me acodem as forças necessárias para abstrair-me da minha própria humanidade o suficiente para que minha alma se recoste à sombra de alguma esperança muito antiga, muito lisonjeira e irremediavelmente indistinta. E tu? O que sentes enquanto tentas decifrar com fidedignidade esta ordália tautológica? Algum eco de sensações olvidadas assoma no pórtico de sua lembrança? Ou um nó inarredável prende tua garganta a algum sentimento que deve ser repreendido, compactado, escondido, aprisionado? A mim, esse circunlóquio se afigura como uma bela alternativa para sofrear estes ímpetos de arrojar-me numa rotina de autômato, sem memórias ou preocupações, ou precisamente com estas. A alma é dúbia: justamente quando parece se afogar numa placidez que só deve ser praticada nas paragens do Éden, uma cerração indefinível estaciona sobre a limpidez do céu anilado, corporifica-se numa neblina que paulatinamente recrudesce até constituir-se numa hera que escala os montes escarpados da alma e a domina por inteiro. Esse processo tem vários nomes pouco lisonjeiros: escuso-me de enunciá-los. Tu, que agora fitas o horizonte estreito da tua sala, do teu quarto, da tua realidade endurecida, te pões a refletir acerca das minhas considerações, enxugando um suor imaginário e edificando, com medido cansaço, as objeções pertinentes - objeções que teimam em permanecer no terreno utópico de onde nascem usualmente todas as inspirações. Nada te acode, tudo te escapa das mãos espalmadas: chapinhas no lodo do pensamentar, derrapas na fria ladeira do abandono intelectivo. É neste ponto que deixo-te só, a fruir com rancor moderado a letargia de uma tarde de quinta-feira que se vai encaminhando para o crepúsculo, malgrado a melancolia curvilínea que agora se prende às tuas pupilas. </div>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-14530382759779922602011-07-05T17:57:00.000-07:002011-07-05T18:35:42.346-07:00E a noite de frio e vento. Lá fora...<div style="text-align: justify;">Arre, que o torpor dos séculos humanos, carregado com o ranço dos tédios mais denodados, e repassado às gerações supervenientes, está importunando novamente meus sentimentos. É a mesma coisa que se repete com litúrgica pontualidade, com irritante intermitência: primeiro me afogo em uma rotina hirta e inflexível, atento aos meus deveres, comprometido com as obrigações que as pessoas vão empurrando para o meu lado com desfaçatez; depois vou gradativamente perdendo o interesse nas coisas que antes atraíam minha atenção, deixo de perceber os pequenos detalhes que são capazes de infundir algum interesse a uma existência; por fim, depois de superar todas as agruras de um humor suspeito, faço questão de arrojar para longe toda a carga de responsabilidades e deleites que constituíram a nata dos meus dias pretéritos para então embrutecer-me nessa fastidiosa inamovibilidade, que irrita meu senso produtivo e faz-me perder todo o orgulho. É sentimento? É loucura? É indecisão? É apenas o gesto grave de quem já não encontra sentido nas coisas senão no momento em que artificialmente cria esse significado instável, cego e impertinente?<br /><br />Escrevo isso e entao fito as paredes do meu quarto, um local seguro, caloroso, afável a minha intuitiva solidão. Janela, abajur, celular abandonado na cama, um navio em miniatura esculpido na madeira, um guarda-roupas, um grande espaço vazio no qual pretendo colocar uma escrivaninha, e eu, o objeto menos relevante nessa amálgama de insensibilidade. Desejaria escrever como Fernando Pessoa, oh, não conheci quem tivesse levado porrada, o dono da tabacaria sorrindo, o binômio de Newton arredando a beleza da Vênus de Milo, Deus meu, que digo eu? Tresvariando. Não: é ainda a manifestação do tédio, este galante e petulante e desconcertante e ainda assim fleumático tédio. Contudo, que é o tédio?, pergunta-me o filósofo que habita em mim. Para o inferno a filosofia, o niilismo, o ceticismo, o platonismo, o socialismo, o kantismo, todos esses arcabouços encarquilhados e cegos. Para o inferno, para a puta que os pariu - quem era o autor que dizia que o palavrão tem efeito catártico? Rubem Fonseca, creio eu. Intestino grosso. Sei.<br /><br />Que fazer, "mon cher ami"? É uma noite de frio e vento. Lá fora... Poderia lavrar uma metáfora com isso, engendrar uma história, quebrar essa monotonia de sangue e gelo que me atormenta. Atormenta? Às vezes desconfio que todo esse descompasso, todo esse propalado desarranjo em relação ao mundo e às coisas seja apenas uma desculpa para desimpedir minha verborragia, para externar uma dor que não sinto, para asseverar sobre concepções que não acredito, divisar cenas que não vejo. O poeta é um fingidor que finge tão completamente que chega a acreditar que é dor a dor que deveras - Fernando Pessoa e seus apotegmas. Nascer de novo seria solução? Ressuscitar para uma nova realidade, na visão dostoievskiana - um caminho plausível.<br /><br />O fato é que estou farto de semi-deuses.<br /><br />E é uma noite de frio e vento. Lá fora... Lá fora?</div>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-11635752426148814062011-04-24T18:11:00.000-07:002011-04-24T18:30:54.227-07:00Uma mente vadia...<div style="text-align: justify;"><span style="font-family:arial;font-size:100%;">Não costumo escrever sobre mim neste espaço. Na verdade, há bastante tempo que já não escrevo nada nesta nesga de mundo virtual que já congregou os meus sonhos e preencheu-me de esperanças a vaga mente de criança em rebeldia... A faculdade que abracei não deve ter me auxiliado neste particular. O curso de Direito, em que pese a propalada intenção de produzir profissionais humanistas, na proposta vetusta que secundou o decreto de imperial que criou no país o curso de Ciências Jurídicas, tem demonstrado - ao menos em minha tênue cosmovisão - acalentar o ideal de produzir seres capazes de decodificar as leis e os pensamentos humanos em teoremos linguísticos com conteúdo lógico, quase matemático. Há, obviamente, disciplinas que não se coadunam com essa rigidez, e seria perda de tempo enumerá-las. Falo de essência, de feeling, de qualquer coisa que transcenda a puta hemorragia do mundo cotidiano e investigue com mais nitidez as águas turvas da consciência humana...</span><br /><br /><span style="font-family:arial;font-size:100%;">Desculpe. Empolguei-me. É ainda resquício de uma existência entregue aos desvarios do sonho. Despi-me disso há algum tempo - não totalmente, é certo. Ainda não me tornei um misantropo, nem aspiro à tranquilidade que, dizem, somente um ermitão empedernido pode fruir em sua cascata de emoções primevas. Quando mais jovem - tenho vinte anos incompletos, no momento - acreditava numa série de coisas que hoje me fazem sorrir. O sarcasmo, que nos meus tempos de pré-adolescência era apenas uma existência parasita e inofensiva, parece invadir-me cada recanto da alma. Há resistência, certamente. Amo apaixonadamente uma princesa de dezessete anos de idade, de olhos verdes, boca magnética e ternura inesgotável. Mas uma boa parcela da alma já foi tomada por um sentimento indefinido, mescla de tédio, descrença, quietude, tranquilidade e sofrimento. </span><br /><br /><span style="font-family:arial;font-size:100%;">Na verdade, </span><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:donotpromoteqf/> <w:lidthemeother>PT-BR</w:LidThemeOther> <w:lidthemeasian>X-NONE</w:LidThemeAsian> <w:lidthemecomplexscript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> <w:splitpgbreakandparamark/> <w:dontvertaligncellwithsp/> <w:dontbreakconstrainedforcedtables/> 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Quando quedo silente, cheio de uma reverência ancestral pelas coisas mundanas que são maiores que minha compreensão, percebo que a poeira temporal mancha cada recanto de pensamento que eu possa engendrar, mesmo nos meus paraísos mais íntimos, e então nada mais interessa, tudo se sedimenta num tédio sem remédio, e ao final abandono qualquer quimera. A minha forma peculiar de observar o mundo, a calma com que procuro traduzir minhas impressões e conduzir a marcha de minha existência, não obstante os arroubos que eventualmente se me irrompem, e principalmente a paixão por uma rotina obediente, sem grandes sobressaltos nem emoções, desenvolvida num ritmo homogêneo, é sinal de uma resistência obstinada, uma indignação surda, contra as molas do tempo. Costumo reclamar de forma veemente contra a sua corrida insana, contra esse jeito linear que enseja a perda das melhores horas, trasvestidas em céleres sessenta minutos que mal conseguem abarcar as necessidades rotineiras. As pessoas que me escutam riem, dizem que é normal uma tal situação, que o tempo precisa exercer com bastante fidelidade o seu ofício. Discordo: o tempo tem acelerado a sua atuação, penetrado em domínios em que lhe não era facultada a entrada, e tem tomado de assalto as vidas.</span><br /><br /><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:donotpromoteqf/> <w:lidthemeother>PT-BR</w:LidThemeOther> <w:lidthemeasian>X-NONE</w:LidThemeAsian> <w:lidthemecomplexscript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> <w:splitpgbreakandparamark/> <w:dontvertaligncellwithsp/> <w:dontbreakconstrainedforcedtables/> <w:dontvertalignintxbx/> <w:word11kerningpairs/> <w:cachedcolbalance/> 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A noite já começa a tornar-se mais sólida e perceptível no céu desmaiado. Novamente, consegui escrever apenas o suficiente para deixar impressa uma algaravia de impressões descontextualizadas que mal merecem uma atenção mais cuidadosa. O jeito, pelo visto, é recolher-me ao meu silêncio repleto de palavras arrevesadas, de frases engulhadas em estômagos hipotéticos, de hesitações e imprecisões, e persuadir-me, de uma vez por todas, que não há literatura que baste para conjurar o desespero tão inocente de existir.</span></span></div><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="line-height: 115%;font-family:";font-size:12pt;" > <span style=""> </span></span></p>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-55890481043224759352009-12-27T06:07:00.001-08:002009-12-27T06:07:38.641-08:00Melodia incipiente…<p> <div align="justify">Do alto do morro, o homem contemplava a paisagem que se estendia por quilômetros silenciosos. De quando em quando suspirava. Era uma hora calma, os pássaros guinchavam, longínquos, no céu as nuvens faziam-se e desfaziam-se, preguiçosamente. Ele refletia – mas não seria capaz de definir o conteúdo de seus pensamentos. O que importava eram os sentimentos inexplicáveis que o assolavam naquele espaço plácido. Eram um misto de tranquilidade e desespero – uma amálgama de sentimentos tão difusos que as palavras não comportariam qualquer descrição. </div> <div align="justify"> </div> <div align="justify">Subitamente ele fechou os olhos, procurou cegamente os caminhos de sua felicidade naquele instante de placidez que o atravessava como uma faca, os olhos fechados, o rosto retesado, as mãos repousadas sobre o parapeito do mirante. Ficou algum tempo nessa atitude, distante da indigesta humanidade que o angustiava e preso naquela condição primária de ser vivo relutando em morrer. Quando abriu os olhos, as pupilas brilhavam tristemente. Os lábios descerraram-se, e o homem começou a cantar, incipiente como uma criança que acabasse de descobrir a existência de melodias no ar do mundo – enquanto uma aragem fresca agitava a copa das árvores e o tempo estacionava seu cansaço sobre a terra em perene inquietude</div> <div align="justify"> </div> <div align="justify">.<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoIZ02eTdxTn1CWQ6vC3NCUcHeYt5vK-wpaVf4FPV2rEe3v_Oe8d_zVg0gx9HRmbSam41TZEMUdrOA7ju07BsJx7Mx4zWngG2wNKAZex6i5JDw3IyGuacc1klb_CTVuQxrdLpNP_uFbiEj/s1600-h/BXK16597_montanha-1800%5B14%5D.jpg"><img style="display: inline" title="BXK16597_montanha-1800" alt="BXK16597_montanha-1800" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjxIh76JCeAhVtfPH7_fjxmnV1jowHrrxC_mJekncz8WJ2XNTU0KEzet2jtKQO-q8GhpuOuDafZQRkbez76WQlu_pMibacbMVBkSXwyH6DTtvJ734R_px-ZaAaDorsxRlOyaCnLqCcR5sBP/?imgmax=800" width="396" height="285" /></a> </div> <div align="justify"> <p></p> </div></p> Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-18324340391795752742009-10-27T05:53:00.000-07:002009-10-27T16:39:42.467-07:00O HOMEM E O DESESPERO<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGXyIvUybcRGNl-a1DokE_jAT7Bw8Y20cvXW9dND-z7AdQRcYcazueJZOhiykR_fMSWTF4cGVuZ2fnIA86I65JASrSX9S90R4IbqyaHC-VINjKpO5VsR_cLu88q709vyIxtytUHvvDQjUO/s1600-h/desespero.jpg"><img style="margin: 0pt 0pt 10px 10px; float: right; cursor: pointer; width: 320px; height: 240px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGXyIvUybcRGNl-a1DokE_jAT7Bw8Y20cvXW9dND-z7AdQRcYcazueJZOhiykR_fMSWTF4cGVuZ2fnIA86I65JASrSX9S90R4IbqyaHC-VINjKpO5VsR_cLu88q709vyIxtytUHvvDQjUO/s320/desespero.jpg" alt="" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5397428558471800290" border="0" /></a><br /><div style="text-align: justify;">Em um dia de sol opaco – e era um dia de inverno, as rosas murchas nos recantos de muro, as crianças inexpressivas em seus silêncios enregelados, as rugas marcando mais profundas a existência das mulheres – um homem foi chamado frente ao Desespero. Atirou longe o monumental agasalho que trazia, descobriu o rosto oculto por um capuz, afastou de si as malas hipotéticas que trazia a tiracolo, e macilento, como um defunto que se apresentasse ao ritual de seu sepultamento, ele se apresentou frente o Terror dos Homens. Nos seus olhos frios o Desespero esperava, e murmurava palavras incompreensíveis. Depois de um tempo de mútua contemplação – externo a eles, o hálito dos zéfiros e a o hirto caminho de uma realidade em agonia – o Desespero sorriu, e exprimiu-se em palavras tais: ‘Tu, grande homem, símbolo duro de um tempo duro, insígnia da ternura numa dimensão de pegajosa ternura, tu, que ousou definir-te justamente quando já não eras capaz de suportar qualquer definição, tu, enfim, vens te colocar frente a mim! És a recompensa caçada entre as trevas, o prêmio a que me reservei num instante de cobiça... Agora vês o quão inúteis eram teus objetivos, quão ridículos os teus sonhos!... Dei-te o amor mais puro, o néctar da paixão ardente, e quando mais julgavas seres capaz de fazê-lo frutificar, de vencer o tempo e as agruras que tornam em ruínas o belo ao cabo de segundos, fiz com que ele apodrecesse pouco a pouco na tua boca, para que te não sobrasse nem ao menos a lembrança saborosa do deleite de antanho... Dei-te a presunção de abarcares com o teu saber todas as portas do sucesso e da filosofia, guiei-te por meio dos meandros mais sinuosos até que te percebeste submerso no lodo que tu próprio tinhas despertando com teus passos seguros... Dei-te amigos, e a volúpia de tê-los ao pé de si, disponíveis, assíduos, os olhos doces pousados no teu semblante austero, em ti, referência luminosa que abarcava todas as influências e desvanecia as certezas... E muito pausadamente, como quem degusta uma fruta, como quem deposita numa cova a flor da morte, eu os afastei - firmemente, para que não voltassem, não votassem nunca... e a tudo isso assistias com esse mesmo rosto inescrutável. Destruí tudo o que amavas – nem a convicção paralisante de que viveste legitimamente eu te permiti guardar no coração embotado. E nada te resta agora, senão a minha companhia eterna...” O homem estremeceu, fitou no Desespero um olhar de alma ferida, entreabriu os lábios, mexeu-os com vagar. O Desespero considerou de si para si que o homem orava ao Deus há muito abandonado no pedestal divino de cujo pé o homem se recusara a ajoelhar-se, e riu-se de escárnio. Mas o homem não orava. Recordava os beijos de paixão que trocara com a mulher que o enlouquecera, a dura caminhada através dos silêncios inamovíveis em busca de um conhecimento que lhe inculcara o mais langoroso desolamento, os amigos que sumiram mudos no alvoroço dos dias que não se repetiriam mais... Depois desse exercício de dor, ele levantou o corpo musculoso, a face reluzente de suor, os músculos contraídos, e disse: “Não importa o que me fizeres, não importa a que ermo estrangulado me leves na tua faina de impiedade... o gênio inquebrantável, esse não conseguiste furtar-me na tua armadilha... teus ardis não dobraram minha têmpera... viva eu sozinho, doente, espezinhado pelos fantasmas que fores me atirando como tomates podres, nem ao menos assim verás corar minha face de vergonha, nem remexer-se a minha boca num esgar! que eu me violente intimamente para não deixar transparecer na exterioridade das minhas pupilas o flagelo que ronda meus segredos! que eu redija a história larga dos opróbrios com o sangue irriga meus membros, de modo que a outro não se imponha, como a mim, o martírio de não ter salvação... que eu seja o teu filho, mas principalmente o teu maldizente! Se meu fado é carregar-te vida afora, que eu o faça de modo a jamais perceber-te senão quando estiver aparelhado de forças hercúleas com que repelir-te e amaldiçoar-te! Ainda que me tenhas roubado os horizontes”, arrematou o homem, erguendo a fronte lacerada e fitando o sol que desmaiava de cansaço, “não me furtaste as veredas”. O Desespero mordeu os lábios, enquanto fitava o homem que afastava num passo marcial, amparando com o pensamento as pernas que queriam titubear de fraqueza.<br /><br /><br /></div>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-51947783817742073502009-10-23T04:41:00.001-07:002009-12-27T05:42:18.654-08:00Na Calçada, poeira…<p></p> <p></p> <p></p> <div align="justify"><img src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOXi8L5GR-l1TvuTCpkU4uxjgj8DI12u_5BNeysQAJd3f4co0zhowT3vf-DhTMTZjxP8PRcdvGfYyk3bHZo_S4Nhz6UzPSgOeSC3eVkR9BRa5th3tnTy0qSHW-bTAVoxyEeMlj-Q_5zcq4/s400/Ninfa.jpg" /> </div> <div align="justify"></div> <p></p> <div align="justify"> <p></p> </div> <div align="justify"> <p></p> <p>Contemplava-a com os olhos marcados pela vigília. A imagem que se formava em minha retina era uma nesga de vida que se apresentava sob a forma de olheiras profundas, um sorriso inexpressivo, um tom de cansaço que se comunicava aos membros frágeis. Fiquei olhando o seu semblante durante um tempo bem longo, ela ao longe, andando na calçada com um jeito indolente, um pouco afastada do grupo de prostitutas mais jovens cujo corpo ainda não se degradara com a agrura da profissão. Riam ainda com certa entonação argentina, mas que já se fazia ouvir marcada por uma impostação e uma predisposição para o cálculo e a simulação. De quando em quando uma se adiantava do grupo, ao ver o sinal de um freguês que se achegava num carro de vidros negros que se abriam apenas o suficiente para que o seu ocupante pudesse trocar algumas palavras com a garota e combinar o programa. Mas eu não prestava muita atenção a essas carnes ainda frescas. Interessava-me aquela mulher de porte mendicante, com rios de velhice precoce a sulcar o rosto, coxas finas e seios achatados que mal faziam pressão às roupas excessivamente justas.</p> <p></p> <p></p> </div> <div align="justify"> <p></p> <p>Recostei-me no assento e fechei os olhos por um instante, depois de fitar a paisagem urbana a que sempre me vi preso por um sentimento estranho de inquietação. Os postes públicos estavam acesos, o asfalto resplandecia com a luz crua que incidia sobre ele. Os umbrais dos edifícios eram ocupados por um ou outro mendigo. Dois deles tinham nas mãos visguentas um saco plástico que levavam periodicamente ao nariz, num contínuo esvaziar-se e encher-se. As lojas, fechadas, pareciam agressivas em sua mudez, como se estivessem preparando as energias e os ardis comerciais para o dia que nasceria horas depois, repleto de sede e pressa. Alheia a tudo, a prostituta continuava a andar, correndo o olhar provavelmente mortiço sobre as calçadas pouco movimentadas, procurando um cliente. Meu celular vibrou, mas não me movi. Aquele instante era pouco para abarcar a extensão de realidade que se impunha à minha consciência.</p> <p></p> <p></p> </div> <div align="justify"> <p></p> <p>Perguntas redemoinhavam, pensamentos fundiam-se e dissociavam-se, e a noite não elucidava minhas dúvidas. Eu não me sentia mais que perplexo. Mas era uma perplexidade estranha, tranqüila, cheia de um sentimento de pasmo silencioso manchado de aceitação. A mulher ia-se afastando com vagar, a bolsa pendendo no braço frouxo. No seu rosto residia uma expectativa, no silêncio da calçada seus passos deviam ecoar ocos. As nádegas escassas mal rebolavam, nas costas manchas roxas viam-se, nítidas. E ela, sem saber, pertencia-me naquele instante, em toda a sua essência manifesta e imanente, presa eternamente aos minutos em que meu olhar percorria os seus contornos e minha reflexão abandonava os limites do perceptível, elucubrando a sua vida escura de calçada, pó e noite.</p> <p></p> <p></p> </div> <div align="justify"> <p>Liguei o motor, fiz o carro deslizar pela estrada até emparelhar no passeio público onde a mulher agora aguardava. Ela olhou, surpresa, o vidro negro do automóvel abrir-se cautelosamente e do interior do veículo saltar uma nota amarfanhada que caiu-lhe aos pés sem ruído. Acelerei subitamente e só olhei pelo retrovisor ao dobrar a esquina. Ao longe, atrás, a mulher fitava um ponto da calçada, parecendo hesitar.</p> </div> <div align="justify"> <p></p> </div> Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-37175007596838255212009-10-13T18:16:00.001-07:002009-10-13T18:16:20.319-07:00Sonho rompidoEle sentia uma lascívia sinuosa explorar seu corpo a cada carícia ardente. Era com íntima satisfação que via o enlevo de ambos transformar-se em excitação doida, as línguas polivalentes e irrequietas, as mãos passeando no ar à busca de um pedaço de pele a palmilhar, os olhos profundos e amortecidos pelo desejo a contemplarem por um momento o olhar também lânguido do outro, para só então, num segundo expectante, desaparecerem sob as pálpebras que se cerravam ligeiras, num antegozo febril. Misteriosamente, as roupas evaporaram-se, os corpos se tornaram indistintos na confusão de gemidos que enchiam o ar do quarto, e os dois encaminharam-se, os olhos ainda cerrados, para o leito, unidos pela mesma ânsia de se afogarem naquele deleite. O peito expandia-se, a respiração tornava-se um ronco cavernoso que saía ofegante na sua boca expectante...<br /><br />Perplexamente, a tela apagou-se e o edifício ficou às escuras. Na escuridão que o rodeou subitamente, o silêncio acolheu num ressonar de tristeza a solidão que se fazia impenetrável nas suas mãos apertadas.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-45420141538419341602009-07-09T08:30:00.001-07:002009-07-11T07:31:24.867-07:00OLHARES ENTRELAÇADOS...A palavra escapou-lhe repentinamente dos lábios já entreabertos, e o olhar, dantes firme, tornou-se estático, estupefato. O semblante ficou lívido. Fitou assombrado toda a multidão que esperava suas palavras, paralisado. O silêncio não durara ainda um segundo, e já todo o seu corpo tremia, a vergonha ruborizara seu rosto, a respiração tornara-se impossível nos pulmões agoniados. Sabia exatamente o que deveria dizer, a entonação adequada, o timbre de voz necessário para angariar a simpatia dos ouvintes, os gestos que, calculada e tranquilamente, tinha que esboçar no ar eletrizado pela expectativa. Mas, justamente no instante de maior segurança, naquele inviolável segundo em que o homem crê possuir nas mãos o poder de esmagar o insucesso, faltou-lhe a clareza de uma sílaba, e a palavra que já saía pressurosa engasgou-se, silenciou, escondeu-se nalgum recanto obscuro, impedindo a passagem da torrente de palavras que ansiava por inundar as consciências. Decorreu ainda mais um segundo. O orador, imóvel em seu fracasso, contemplava a multidão com olhos mortiços. Uma tristeza infinita cobria-lhe as íris e invadia as pupilas angustiadas e sombrias, diminuídas pelo horror. A multidão fitava-o em meio a um burburinho insidioso. Provavelmente a imagem do homem que se interrompera no seu discurso pretensioso traduzia a estereotipada visão do ridículo, a espalhafatosa imagem do perdedor que causa riso e piedade à turba. Durante um par de segundos que não passava, orador e multidão desafiaram-se secretamente – entrelaçando olhares que teciam na atmosfera ácida uma animosidade antiga e inamovível. Um ódio irônico fundia-os numa mesma miséria superior a eles próprios. Os olhares entrelaçados talvez permanecessem imutáveis por muitos minutos se o orador, num repelão intempestivo, não rosnasse um “muito obrigado” e se retirasse do palco, permitindo à multidão emergir da letárgica contemplação, estremecendo numa risota que ia muito bem com o tom alcalino do céuVanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-80266369716509339642009-06-20T10:34:00.001-07:002009-10-27T05:24:32.655-07:00SOLIDÃO PUTREFATA...<em>texto suprimido temporariamente...</em><br /><em>participando de concurso...</em>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-79303499374346127292009-02-07T16:11:00.000-08:002009-02-07T16:12:04.481-08:00UM TALHO: O MUNDOUm campo de terra, demarcada, que rasga o mundo<br />Não é o mundo.<br />É apenas a misteriosa ordenação<br />Que o faz parecer<br />Rasgar o mundo<br />Sem pertencer a ele. <br /><br />E o mundo fica órfão dele<br />Porque já não é possível resgatá-lo<br />Do sombrio ofício, humanamente,<br />De rasgar o mundo.<br /><br />E o mundo abre um parêntesis.<br />Parêntesis que não o arranca<br />Da tristeza, recôndita tristeza<br />De estar incompleto<br />Irremediavelmente ferido:<br />Talho de terra rasgando-se<br />Cicatrizando-se aos poucos<br />Orfandade terrosa<br />De mundo<br />Dilaceradamente mundo.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-81486805957488941242008-12-24T13:33:00.000-08:002008-12-24T13:34:51.919-08:00UMA HISTÓRIA DESPRETENSIOSA (retomando as atividades)Chamado ao palco em uma conferência literária, Escritor sobe sorrindo as escadinhas e cumprimenta seus colegas de ofício – todos empertigados e solenes, de mangas compridas e colarinhos ajustados. Ao fundo, uma saraivada de palmas entusiásticas. Num exórdio, o presidente louva a qualidade inegável dos romances de Escritor, seu estilo elegante, suas análises subjetivas mas mordazes, sua inata capacidade de analisar as mazelas psicológicas das pessoas e transportá-las para seus livros, traduzindo magnificentemente a própria essência humana. Escritor sorri, divertido com o tom professoral e hiperbólico do presidente. Por fim, Escritor é desafiado a contar uma “história despretensiosa” aos colegas e ao público que ocupa as centenas de poltronas estofadas do teatro. Ele gargalha um momento – uma curta risada irônica – e responde numa voz bem modulada: “contarei”. O público se alvoroça, um burburinho perpassa toda a audiência como vaga lambendo a orla litorânea. Escritor posta-se no proscênio, e, boca pouco afastada do microfone, começa placidamente:<br /><br /><br />“Esta é uma história, portanto é imperativo que tenha personagens, e essencialmente um protagonista. Pois bem, nosso protagonista é um homem singular: barba e cabelos desgrenhados, face atravessada de sulcos profundos, olhos ardentes, negros. Veste-se como um profeta: a longa túnica azul cobre-lhe o corpo magérrimo e encardido, a pele encobre o estômago acostumado aos continuados jejuns, as feições guardam um ar de perene insânia. E, para completar a figura, um cajado, um enorme cajado pesadíssimo, desproporcional para a figura miúda que o nosso profeta apresenta. <br /><br />“O povo o observa suspeitoso, olhos apertados e punhos cerrados, intrigados. As pessoas vêem o profeta murmurar palavras estranhas para si mesmo, escrever em longos pergaminhos com penas e tintas infecundas para esse ofício, contemplar horas a fio um único ponto, olhos vidrados e membros hirtos, para depois acordar repentinamente num sobressalto. Escrutam-no à distância: ninguém tem coragem de falar com ele, sua fisionomia estrambótica causa repulsa e temor às crianças, empalidece as mulheres, faz fremir os homens de indignação. <br /><br />“Num dia de calor desmesurado, o profeta mostrou-se mais inquieto. Marchava de um lado para o outro, sobrecenho tempestuoso, nariz espetando o ar, os olhos incendiados pela vigília. À noite, dirigiu-se para a cidade. Havia festa: louvavam-se aos deuses pastoris pela beleza do crepe sombrio cingido de luzes minúsculas que embelezavam naquela estação o recesso do sol. O profeta olhou aquela festividade esplêndida com mal dissimulado asco. Aos poucos, o barulho foi cessando – o povo tinha percebido a incômoda presença do profeta e olhava-o curioso.<br /><br />“Que vieste fazer aqui, velho?”, vociferou um homem.<br /><br />“Venho fazer-vos ver a verdade”, respondeu o profeta. Seus olhos ardiam como carvões que crepitassem, abrasados. Na turba houve um movimento semelhante a um calafrio. Artesãos e escribas tiveram uma tangível sensação de presságio na alma embotada, e diligenciaram calar apressadamente o profeta, que se encarapitara sobre um caixote meio apodrecido e fitava a multidão atônita com seu olhar insano. Mas foi impossível. O profeta prolongou-se por trinta horas consecutivas numa alocução interminável, na qual afirmou que ele, profeta, percebera na clausura da solidão a existência de apenas um deus, que tinha dez braços, oito pernas e uma cabeça enorme, no alto da qual tremulava perpetuamente a flama do entendimento. Os olhos de deus não tinham cor, pois neles residiam a crueza cálida da vida e a frialdade inadmissível da morte. Suas mãos fadavam-se delicadas e hábeis, pois haviam concebido num instante sagrado de inspiração toda a singeleza do mundo. Seu herdeiro, seu dileto herdeiro, fora engendrado na solidão eterna de Sua Divindade, e era singelo e puro, com características humanas e um perpétuo ar de beatitude no semblante indizível. “Ele vive entre nós, fisicamente, e chegará o dia em que ele se revelará com todo o seu séquito feérico e dará gênese a uma felicidade inteiriça, inafiançável mesmo por nossa endurecida iniqüidade, e far-nos-á felizes, agraciando-nos com a honra insigne de fitarmos o semblante de seu criador e gozarmos das venturas por ele concebidas”. O povo não emitiu um som qualquer durante todo o discurso, afogado na loquacidade do profeta e envolto num silêncio de letal fascinação. Permaneceram todos de pé, sem perceber o estrugir dos estômagos surdos aos apelos de sibila e a urina e as fezes que, de tão naturalmente reprimidas, acabavam escapando sem a permissão de seus donos, escorrendo dos pêlos secretos e vindo molhar lentamente a areia desértica da praça. Quando o profeta calou-se, vermelho e exausto, o povo estava ainda petrificado pelo espanto da revelação. Aos poucos emergiu das cavernas das suas mentes um grito unânime de aclamação, um altissonante ronco de mentiras perfumadas que desprezou as irregularidades do relevo, a soberana massa de água salgada que os observava do horizonte, o sibilar secreto das nuvens, o emperro da alma humana e destruiu num dilúvio o tédio que avultava na face pálida do mundo. <br /><br />A nova fé floresceu na comunidade. A voz dos escribas foi calada pelo alarido da procela, que se aparelhara de forças renovadas, guiada pela mão veemente do profeta. Foram assassinados numa madrugada lôbrega e ensimesmada. O profeta acercou-se de sacerdotes convenientemente instruídos, que mais pareciam sequazes disfarçados, e disciplinou a aldeia na nova crença, fundamentando-a sobre valores refeitos e inflexíveis, cheirando a dissimulado mofo. Como uma mancha insidiosa que penetra no íntimo das coisas e as invade inapelavelmente, a fala do profeta venceu os empecilhos da distância e do tempo, instalou-se na consciência dos viventes da aldeia e das circunvizinhanças num frêmito irresistível. Paulatinamente os países foram caindo sob o domínio de profeta, e ele pôde ver, no seu leito de morte, rodeado por seus discípulos mais fiéis, a derrota dos êmulos e dos opositores que levantaram a voz contra seus postulados.<br />Profeta morreu tranqüilo, amálgama de peles sobrepostas, mosaico de halos imaginários vislumbrados por todos os apaixonados discípulos. Profeta morreu sorrindo. Ninguém soube, nem mesmo nos séculos que se seguiram, que seu sorriso fora de zombaria, de gaiata e silenciosa esperteza. Profeta morreu desprezando a humanidade, tão banal, tão esperançosa, sempre pronta a acreditar em qualquer mentira descabida arquitetada sobre mistérios utópicos. Profeta foi enterrado – e com ele, nossa história despretensiosa também”.<br /><br />Alguém tosse na platéia. Homens secam com lenços perfumados o suor visguento da compreensão. As mulheres afundam-se nos casacos pesados, procurando proteger-se da acrimônia intolerável da história. Escritor vagueia os olhar por cada semblante, sorrindo triste. Dispõe-se a devolver o microfone para o presidente quando um homem taciturno, sentado na primeira fila, ruge: “essa não foi uma história despretensiosa”. Escritor fixa o homem por algum tempo, imerso na piedade, e concede: “é verdade, amigo. Infelizmente, é impossível narrar uma história despretensiosa”.<br /><br />O presidente, também constrangido, considera como azado dar por finda a conferência. O público dissolve-se, em silêncio, pelas galerias.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-61669918313069803642008-10-12T07:07:00.000-07:002008-10-12T07:08:35.809-07:00O BAILE DE UMA CIDADE DE AÇO E CONCRETOIncrustado no planalto norte de Santa Catarina, o lugar em que vivo amanhece todo o dia de forma célere, pulando da cama com olhos estremunhados e gestos esquivos: é Joinville, uma cidade dinâmica, apressada, industrial. Trabalhadores, artistas, políticos, anônimos, jovens, idosos, pessoas enfim movimentam-se nessas ruas enfumaçadas, buscando fazer não sei bem o quê. Talvez viver.<br />É uma cidade de concreto e aço, uma cidade perfeitamente adequada às conveniências contemporâneas. Tem seu riozinho fétido e mórbido que corta o centro da cidade, empestando o ar com sua frialdade de lodo. Tem seus prédios maciços, suas indústrias alacremente pintadas, suas universidades, seu comércio ostensivo e ardiloso. Tem seus mega-centros, tem suas sociedades recreativas, tem suas madrugadas enfastiadas. <br />Meu lugar se assemelha a qualquer outra cidade grande. Tem ruas, pessoas, comércio, muito movimento e algum tédio. Tédio disfarçado, triturado em sorrisos, em cartões de visita, em telefonemas velozes, em chopes sorvidos após a labuta do dia. As pessoas de Joinville assimilaram em suas almas, como a maioria dos inconscientes do mundo, o entrechocar de ferros em movimento. Estão íntima e eternamente besuntados pelo óleo das engrenagens que operam ou vêem operar todo o dia.<br />É uma cidade agitada que teima em ser única. Seus asfaltados ângulos retos traduzem a monotonia da vida operária de tal maneira que antes mesmo de terminarmos de saborear a esquina da rua que termina nos vemos jogados no turbilhão de uma nova rua, em pleno e doloroso parto... Há lugares plácidos: os campos de futebol de várzea, as praças calmosas, os shoppings de lojas magnéticas e convidativas, com ar condicionado... no meu lugar de moradia há resistência à previsibilidade: afinal, que cidade tão ferozmente industrial se preocuparia em fazer florescer as artes cênicas, a dança de origens diversas, a literatura pertinaz senão esta minha terra erguida sobre a inconstância dos mangues?<br />O lugar em que vivo ostenta um paradoxo: se insensibiliza no trabalho árduo, no seu afã de produzir, consumir, exportar, importar, em ser aquilo que as outras cidades esperam que ele seja, o que a nossa economia conclui ser o correto... e, não obstante, ele acalenta na sua gente sorridente uma imensa ternura, um inexplicável enternecimento pela vida, uma comoção que se prende às luzes noturnas, que se deposita na cerveja repartida entre o estampido silencioso de explosões psicodélicas, na sempre singular ficção da realidade... é uma cidade onde a voz dos escritores se ergue em sarais recônditos, intimistas sublevações contra a massificação da essência humana... é uma cidade que se faz os ferros do trabalho bailarem nas almas humanas, ao som de um Festival de Dança que se estende pelos anos afora...<br />O lugar em que vivo é úmido, a chuva goteja rotineiramente no chão. Não há encanto maior que a chuva iluminada na noite pelos lampiões, porque nos penetra aquela tranqüilidade ancestral que regozija e torna o homem melancolicamente feliz. O lugar em que vivo é mesquinho de verde. Mas apresenta aprazíveis e modernas florestas de cimento.<br />Joinville, lugar indescritível... o mistério do florescimento da alegria na aridez das máquinas, nos ângulos retos que delineiam o rosto desta cidade dos príncipes... talvez Joinville, meu lugar de vivências, minha realidade cotidianamente revista e revisitada, seja apenas uma cidade grande tentando entender-se pequena, lutando para não se desagregar, mosaico em desacordo. Mas o que vale é a chuva, que cai enquanto escrevo estas palavras e me deixa melancolicamente feliz.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-56518055641744763242008-09-12T18:36:00.001-07:002008-09-14T13:25:25.915-07:00Café de mulherMinhas mãos estão vazias – nelas reside o ar perplexo do silêncio. Olho-as, esfrego-as nas coxas, deitado na cama, olhando fixamente o livro que atirei para um canto. Bocejo ao final de algum tempo, as molas da boca distendem-se – nnnnnnnnnnnnn- contraem-se finalmente, encerram o aborrecimento na boca seca. Serão horas quais?<br /><br />Na cozinha, ouço um barulho. Querido, quer café? Café sorvido no sopé de algo, relegado chulé - miasmas vaporosos... Café, quero-o ou não? Café ou não café? Não respondo, fico resmungando café não devia rimar, devia sumir sumir sumir – evaporar... Quer café, querido? <br /><br />“Quero o mundo, Lourdes, quero o mundo e seus tormentos!”<br /><br />Ela não responde, está adormecida em sua sonolência conjugal. Não entende por que eu desejo a amplidão enfumaçada do mundo, não compreende afoitamente que na nossa cama do final de noite já não há espaço para café ou espumas, que nossos corpos estão frios como o colchão insensível e insuportável que nos acompanha madrugadas adentro... imersos em sonos e aborrecimentos estamos, e sonolentos e aborrecidos somos... Quer café? Quer amor? Quer a certeza utópica de que somos diferentes e incompatíveis? Quer tentar reencontrar meu corpo de adolescente nesse corpo de mulher gasta e empoeirada? <br /><br />Lourdes surge na minha frente. Duas chávenas na mão. <br /><br />“Trouxe café. Vai te fazer bem. Você está tão aborrecido...”<br /><br />Meus olhos estão fechados. Cantarolo, finjo-me distraído.<br /><br />Não quero café. Não quero café. Não quero...<br /><br />Ela fita-me impaciente. Ficamos em silêncio. E entre o nosso silêncio pende, impotente, o brilho estático da lâmpada elétrica.<br /><br /><br />VANILDO SELHORST DANIELSKIVanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-56056564336407847892008-07-30T16:56:00.000-07:002008-07-30T17:12:36.223-07:00Um beijo só, só um beijo...Manhãs devassadas por sóis escarninhos. Três: um no céu, dois nos olhos dela. Escutava-a, vendo suas palavras enlaçarem fios irisados, teia que se emaranhava no seu rosto ávido de garoto. Desejo calado de beijá-la. Um beijo, um beijo só...<br /><br />Viu-a muitas vezes, não externou nunca o que sentia. Conservou na lembrança uma reminiscência esmaecida das feições dela, os lábios rosados úmidos pedindo um beijo, um beijo só... O tempo chorou anos, e ele, feito homem barbudo - pupilas miúdas- nunca pôde resgatar a lucidez perdida numa madrugada de desespero, em que miavam gatos e a lua ressonava seu ronco de luz... Jaz atualmente num sanatório, fortemente imobilizado, a morder os lábios que não roubaram um só Beijo, um Beijo só...<br /><br />VANILDO SELHORST DANIELSKIVanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-91860612441038074262008-07-23T16:35:00.000-07:002008-08-06T15:43:06.133-07:00CASEEntramos num bar pestilento, repleto de mesas de plásticos e homens gargalhando, bêbados. João Henrique mostra certa repugnância, mas faço-lhe notar que um bar ou boteco metido no subúrbio não tem outra serventia senão embriagar na noite os trabalhadores do dia. Ele esboça um meio sorriso, que lhe imobiliza no rosto uma atmosfera de orgulho tão repugnante quanto os bêbados.<br /><br />Sentamos num canto mais discreto, pedimos uma cerveja e nos deixamos ficar olhando fugazmente os automóveis que rodam na rua asfaltada. João Henrique está absorto. A bebida chega e ele sorve num instante todo o conteúdo do seu copo, silencioso. Foi ele quem me chamou, então vou deixar a ele a iniciativa de começar a conversa, penso.<br />Esvaziamos a garrafa em silêncio. O dono do bar achega-se cheio de bigodes e toalhas, pergunta se queremos mais cerveja. João Henrique acede com um gesto, os olhos fitos na espuma que escorre vagarosa pelas bordas do copo. Só se resolve a falar quando vê seu copo repleto novamente.<br /><br />“Valério, você é um grande amigo, sabia?”<br /><br />“Sabia.”<br /><br />“Pois eu queria conversar um negócio contigo.”<br /><br />“Diz.”<br /><br />“Amanhã eu me caso, como você sabe. E eu queria te pedir uma opinião. Nem é bem uma opinião, que opinião você já emitiu, e muitas. Quando conheceu a minha noiva, me disse que ela parecia ser uma mulher muito boa, submissa, carinhosa, compreensiva. Concordei com tudo naquela ocasião, e ainda agora concordo plenamente. Não nutro qualquer desconfiança quanto ao caráter dela, está me entendendo?”<br /><br />“Estou”, respondo, levemente interessado naquela lengalenga.<br /><br />“Pois bem”, ele aperta o copo com tal ímpeto que chego a recear que o vidro se parta entre seus dedos, “amanhã eu me caso.”<br /><br />João Henrique faz uma pausa, bebe um gole da cerveja, lambe os lábios com lentidão filosófica. Percebo que está um tanto emocionado, conjecturo que o álcool talvez já esteja afrouxando sua estiolada resistência ao sentimento. Tem os olhos brilhantes, tenho a impressão de que estão úmidos. Ele finalmente fala.<br /><br />“Então, quero te perguntar. Acha que devo me casar?”<br /><br />Sobressalto-me com a indagação. Olho-o muito tempo, atônito.<br /><br />“Como?”<br /><br />Ele baixa a voz, inclina-se até sua cabeça fatigada tocar nas mãos imóveis em cima da mesa. Faz sumir o rosto nos braços sobrepostos.<br /><br />“Acha que devo me casar?”<br /><br />Mordo os lábios, olho os bêbados que agora contam piadas. “O japonês foi ao médico, e...” a pergunta me põe numa incômoda obrigação, percebo que o miserável preza demasiado a minha opinião. O que responder-lhe?<br /><br />“Você já não a ama?”, inquiro.<br /><br />“Amo, amo apaixonadamente”, responde João Henrique, erguendo o crânio. A iluminação fumacenta do bar desvenda feições transtornadas por um sofrimento indizível. “Ela é minha vida. Quando a olho, mesmo depois destes anos de noivado, sinto a mesma chama, o mesmo calor de quando começamos a namorar. A presença dela me faz bem, muito bem! Não hesitaria em passar a eternidade com ela.”<br /><br />“Ela tem algum físico? Mau gênio?”<br /><br />“Não. E a questão não é essa.’<br /><br />Ele se imobiliza novamente, extremamente infeliz. A cerveja começa a esquentar nos nossos copos. Os bêbados olham-nos disfarçadamente, começam a diminuir a bulha: os embriagados sempre respeitam a dor de outro embriagado. Mas não, João Henrique não está embriagado. Ele agora se levanta e vai espiar o céu, lábios apertados, olhos injetados. Deixo-o refletir à vontade, enquanto vou tecendo conjecturas. Ele volta mais sereno, mas o desespero gira em espiral nos seus olhos, torvelinho de segredos.<br /><br />“E então?”<br /><br />“Então quê?<br /><br />“Devo me casar?<br /><br />“Olha, João Henrique, essa é uma decisão que só cabe a você. Eu não tenho nada a ver com isso...”<br /><br />O sofrimento espreme-lhe o rosto, pela primeira vez vejo-o suplicante. Durante meia hora procura me provar, com os argumentos mais arrebatados, como será bom para ele casar-se com a mulher que escolheu para si, como sua felicidade será inafiançável, estupenda, imensa como o horizonte... aos poucos o tom apaixonado vai recrudescendo, e toda sua alma se projeta nas palavras que vai me atirando vertiginosamente, com gestos bruscos e desvairados... observo-o, cauteloso.<br /><br />“Ora, caro João Henrique, você sabe o que fazer. Está na cara que o que mais desejas na vida é se ligar a essa moça...”<br /><br />Ele está ofegante, vermelho. Seca com o lenço o suor que lhe poreja a fronte.<br /><br />“Isso eu sei! O que eu quero é que me você me responda aquilo que eu quero ouvir...’<br /><br />A surpresa assalta-me os pensamentos com tal furor que entreabro os lábios, perplexo. Fito-o.<br /><br />“Um momento... essa pergunta que estás me fazendo há meia hora... você a fez a todos os seus amigos, não é?<br /><br />“É verdade. É sim, Valério.”<br /><br />“E o que eles responderam?”<br /><br />“O mesmo que você: que a decisão só cabia a mim.”<br /><br />“E aposto que toda a sua família também disse isso...”<br /><br />“Todos. Todos disseram o mesmo.”<br /><br />A língua umedece-me, preocupadamente, os lábios secos. Finalmente entendo o que João Henrique deseja, olho-o com inexprimível piedade.<br /><br />“Certo, João Henrique, certo. Não sofra mais. Case. Case, e seja feliz.”<br /><br />João Henrique soergue a cabeça que se afundara novamente nos braços cabeludos, e olha-me com inequívoca alegria, sorrindo o sorriso mais desgraçadamente feliz que já contemplei. A voz lhe vacila, e ele só consegue emitir uma rouca e enternecida <br />palavra:<br /><br />“Obrigado!”<br /><br />As lágrimas sulcam-lhe o rosto, o rosto recupera paulatinamente a cor ordinária.<br /><br />“Obrigado!”<br /><br />A emoção envolve-o compactamente, João Henrique perde a antes sólida compostura humana e transmuta-se numa chorosa massa de carne, que repete um odioso mantra de genuína e desesperada felicidade.<br /><br />“Obrigado!” <br /><br />A cena me enfada. Levanto-me e deixo sobre a mesa uma nota amarfanhada. Faço um sinal ao dono do bar, que me compreende.<br /><br />“Obrigado... obrigado!”<br /><br />“Não há de quê.”<br /><br />Retiro-me célere, deixo-o fruindo, esparramado na cadeira, sua sórdida e indesculpável pusilanimidade. Tomo um táxi, e pensativo me recosto no banco. E pensativo me permito observar a noite opaca, de estrelas esmaecidas e semáforos impiedosos.<br /><br />VANILDO SELHORST DANIELSKIVanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-3680668628070432932008-06-17T14:46:00.000-07:002008-06-19T07:15:47.596-07:00Rosário de sonhosJosé Bueno de Milachia sonhou a vida inteira. Mesmo acordado as imagens deslizavam sobre seus olhos, escorriam silêncios e convergiam para um receptáculo bojudo: a velha ampulheta do Santuário Apofênico. José sobressaltava-se com facilidade, via espelhos imaginários à sua volta, pressentia reflexos estrambóticos para sua figura acesa e ossuda, que suscitava risos aos colegas, e calava-se, ensimesmado.<br /><br />Ao morrer, teve um sonho fugaz. Sonhou que todo o arsenal onírico que engendrara na vida entrelaçava-se num rosário endurecido, machucado já por futuras ladainhas. Quando um lampejo de compreensão lhe assomou nas reflexões desvairadas, percebeu desolado que já baixara a noite, a triste noite da inexistência, e que não era mais José Bueno de Milachia. Tornara-se sonho, punhado de irrealidade, desejo. E silêncio.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-83919523095844589772008-05-18T16:00:00.000-07:002009-10-27T05:25:41.733-07:00Gravata e Terno<em>TEXTO SUPRIMIDO TEMPORARIAMENTE...</em><br /><em>PARTICIPANDO DE CONCURSO...</em>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-12414089464951954012008-04-30T17:10:00.000-07:002008-04-30T17:16:52.643-07:00Ponto de Ônibus<p class="MsoNormal" style="text-align: justify; text-indent: 36pt;">Eu esperava o ônibus, resignado. O sol batia-me no rosto, ofuscava-me os olhos. Cobria-os com a mão, mas a claridade, coada pelo intermúndio dos dedos, fazia arde as escleróticas avermelhadas (tinha dormido mal, na noite passada). Nisto aproximou-se uma mulher trigueira, enorme, matronal. Perguntou as horas. Tinha sardas na pele, um nariz grosso que se assemelhava a um nariz suíno, e olhos azuis, cristalinos. Respondi e ela agradeceu delicadamente, num gesto que deve ter considerado oportuno. Calei-me. A mulher também emudeceu. Mas continuou a olhar-me obliquamente com seus olhos enormes, sorrindo levemente. Senti-me aborrecido, muito mais do que até então me sentira. Sentia um insidioso asco infiltrar-se nos meus pensamentos, um asco persistente que vazava daquele oceano circular que circundava as pupilas da mulher. Encolhi-me, nervoso. Estalava os dedos, apertava-os uns contra os outros, mirava a calçada de concreto cinza, cheia de frinchas nas quais crescia um matinho viçoso. Afinal levantei-me – o sol golpeou-me o rosto com energia, mirei o semblante da mulher – perturbaram-me os seus olhos agora translúcidos, mudos, ansiosos, desgraçadamente claros – levei as mãos à fronte com se estivesse verificando a sua temperatura ou secando o suor... <span style=""> </span>inquietantes, os olhos da mulher... perplexo, os olhos ardentes, <span style=""> </span>comecei a caminhar aceleradamente, sem voltar-me. Senti atrás de mim o ronco do ônibus que se aproximava... não me importei. É preciso andar, pois há perigosos, mortíferos olhares num ponto de ônibus. </p>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-81480356551753130752008-04-18T06:31:00.000-07:002008-04-18T06:34:51.954-07:00Pegajosidade, barro - e sangue<div align="justify"><em>Para Lize, um presente sujo de afeto<br /><br /></em><br />Numa tarde inexpressiva, Homem e Mulher caminham lado a lado numa rua de areão úmido, coberto por uma pegajosa mistura de água e barro.<br />Não se olham. Seus rostos estão virados para frente. Caminham inexoravelmente calados, embora falem banalidades. Porque no fundo de suas palavras há um constrangido silêncio.<br />Homem está comovido por estar tão próximo de Mulher. Sente por ela qualquer coisa que o agrada, uma afeição doce que lhe escorre pelo interior do corpo até sair transvertida num aliciador sorriso permanente. Deseja-a também, mas isso é outra história. Desejo se sente por qualquer mulher bonita. Homem experimenta um sentimento perplexo de inesperada suavidade perante Mulher, é tomado por carinhoso ardor quando está com ela; um ardor que o deleita e o obriga a procurá-la com o olhar ávido, um ardor que o obriga a tocá-la num gesto discreto, sem alarde. Ama-a?<br />Os passos de Mulher são céleres. Seu tênis é preso rapidamente pela sola ao chão viscoso, mas liberta-se rapidamente, e a marcha continua. Seu pensamento é recôndito, se oculta nas regiões abissais de um oceano sombrio, surpreendentemente castanho na superfície e negríssimo no fundo. Mulher sorri amiúde para Homem. Sente por ele apenas amizade, a desinteressante e banal amizade do cotidiano. No íntimo talvez o despreze, mas não ousa afirmar isso a si mesma: limita-se a sorrir, meiga, invólucro de feições.<br />Os sentimentos dos dois emaranham-se numa teia larga, invisível, incontornável e inescapável para ambos. Estão unidos insensivelmente, hesitantes e cegos. Buscam-se por motivos vários – que não precisam ser narrados, porque são simples, fáceis, metafísicos, fortuitos. Ocultos e sonolentos.<br />Homem e mulher caminham lado a lado, na tarde inexpressiva. Jamais chegarão ao seu destino, pois o instante que os une é eterno e intransponível. Buscam-se na escuridão, apalpando-se à distância. São eles mesmos, indesculpavelmente eles mesmos. Caminham juntos, cegos e silenciosos, sob o céu cinza, fora do mundo. E do tempo.<br /><br /><em>Vanildo</em></div>Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-48794883280083434442008-04-01T17:59:00.000-07:002008-04-01T18:04:17.152-07:00O Enterro<em> Para A., como extirpável lembrança</em><br /><br /><br />A terra breve e as construções cimentadas das circunvizinhanças ainda estavam intumescidas pela indecisão da aurora quando Versamann despertou. Primeiro abriu os olhos de pálpebras endurecidas e piscou-os durante algum tempo, para em seguida soerguer o tronco e olhar perplexamente o quarto. Os móveis e as paredes guardavam um modesto tom azulado que vinha filtrado das janelas cerradas. Versamann sorriu e isso o fez desinteressadamente satisfeito. Levantou-se, despiu o pijama e postou-se definitivamente nu em frente ao espelho, observando seu rosto onde pretejava uma hera negra e cabeluda.Ficou refletindo durante uns minutos, imóvel.”Como é estúpido acordar”, pensou. “O silêncio do sono se assemelha de tal forma com a morte que dormir pode ser considerado um ato vicariamente nostálgico, de substituição.” Essa reflexão o agradou tanto que atentou nela com exclusividade, tentando condensá-la num aforismo dramático, de grande efeito estilístico. “Ora, estou perdendo tempo”, ponderou, “minha mente está inventado pretextos para esquecer-se do que determinei a mim mesmo.” Sorriu amargamente, como se só agora tivesse lembrado de algo importante. “Isso, hoje é o dia do meu dever. O dever.” Coçou o queixo. O céu se recortava cor de chumbo contra a janela. Vestiu-se.<br /><br />“Credo, rapaz, você está parecendo o demônio”, disse-lhe a mãe – uma estranha figura banal – ao vê-lo vestido totalmente de preto. Versamann surpreendeu-se como fato dela estar acordava àquela hora. A mãe ficou observando-o com olhares exprobratórios e calados. Versamann notou, no espelho que se equilibrava na parede defronte dele, que sua própria pálida fisionomia dura cingia-se no vidro à loura parte posterior do crânio da mãe. Aquilo lhe comoveu indizivelmente, com uma intensidade tão exclusiva que ficou irritado com a própria comoção. “Não tenho fome”, disse sem ênfase, olhando a mesa posta. Caminhou marcialmente até a porta.<br /><br />Na rua observou a neblina da madrugada que se fundia ao céu num movimento lento e inflexível – ou seria a sua vista fatigada de absorver a claridade do sol? Contemplou com curiosa estranheza a rua de areão úmido, as casas indistinguíveis na cerração; passou uma pessoa e Versamann não se espantou ao notar que no lugar de um rosto ela tinha uma caricata máscara embaçada.<br /><br />Versamann se sentia apaticamente desperto, a poeira milenar da raça humana o envolvia num torvelinho de cavernosas lembranças de amor, suor, sangue e sofrimento. Postou-se no meio da rua, a neblina densa ao redor de si. A boçalidade daquela rua triste não o agredia, estava já acostumado a odiá-la constantemente em suas noites sombrias perenemente atravessadas por febres e presságios. A civilização humana lhe inspirava o mesmo desprezo; não a amava como dizia a todos; a hipocrisia, ah!, a moralidade dos caminhos simplórios, o infinito temer sem reagir. Versamann vivia como uma larva repulsiva que se violentava intimamente para continuar vivendo em meio a outras larvas de igual asquerosidade; experimentava satisfação apenas na escuridão do seu quarto, bloqueado e trancado por dentro, o mundo fragmentado na janela, os fios da normalidade pendendo impotentes ante a liberdade de sua reflexão. Mas havia o sentimento, aquele sentimento que escarvava seu âmago e o suavizava – era preciso destruí-lo. Era preciso destruí-lo? Versamann dobrou fortemente os dedos em direção às palmas.<br /><br />Era preciso dar o golpe de misericórdia, dizia uma sombra negra que grassava nos seus pensamentos. Era preciso destruir à lâmina de espada e a fio de machado num golpe seco e breve, profusamente sanguíneo. Era preciso, era esse o seu dever... “A fortaleza, a fortaleza da escuridão”, murmurou Versamann ao ajoelhar-se e sentir inúmeras pedrinhas atritarem seus engonços. “É preciso! E que seja aqui mesmo”, disse ainda com convicção ao dobrar o pescoço ao golpe.<br /><br />Quando desgrudou as pálpebras, Versamann sentia uma violenta enxaqueca. Enxergou de pronto um pequeno caixão de chumbo perto de si, um pequeno caixão de alças douradas das quais pendiam, como cipós, fitas inquebrantáveis onde se podia ler em caracteres negros: Requiescat. Versamann resfolegava suando, as mãos contraídas no peito, a boca entreaberta. “Acabou, ou quase”, refletiu com amargor. Lentamente Versamann adiantou-se para o caixão, segurou as alças, preparou os músculos e as articulações, e num arranco o suspendeu. A neblina agora estava mais cerrada; era esquisito, mas o céu parecia inclinar para a terra, pois o tom de chumbo incorporava-se à neblina de tal maneira que já não se podia distinguir sequer as casas que circundavam a rua.<br /><br />Versamann começou a andar em linha reta, sem se importar em ver-se privado de enxergar o caminho. Esse detalhe tão preocupante, que o atormentaria atrozmente noutra ocasião, quase não o interessava agora. Necessitava caminhar, necessitava manter a frieza e o raciocínio claros, lúcidos... necessitava sobretudo livrar-se daquele caixão de chumbo. Sabia intuitivamente que aquela neblina o levaria a algum lugar preparado para receber o ataúde, provavelmente preparado por ele mesmo, embora não pudesse se lembrar quando nem onde. A névoa-chumbo crescia a sua volta e o envolvia como uma aura. “Sem hesitar!”, exortava a si mesmo.<br /><br />Andou muito tempo. Perdera totalmente a noção do tempo. De vez em quando afloravam reminiscências em seu pensar embotado, mas elas eram inconsistentes e frágeis, como se fossem apenas idéias irreais.<br /><br />Chegou. Devia ser um cemitério, mas um cemitério singular, sem cruzes nem leitos de pedra. Versamann caminhou até uma cova rasa e aberta.<br /><br />Sentia um violento calafrio eriçar-lhe os pêlos dos braços, mas continuou. Um espasmo que lhe prejudicou a precisão dos movimentos percorreu seus braços ao depositar o ataúde do sentimento parasita na cova. Cobriu-a de terra, mas sem pensar, a face inexpressiva, olhos enxutos, salgados. A neblina penetrava insidiosamente a sua pele, as veias carregavam um fluido denso, rançoso de desgosto, decepção e martirizante alívio. Matara-se? A lembrança da mãe, em especial a parte posterior do seu crânio refletido no espelho, emergiu num gemido à superfície de suas idéias, intumescida de vago desespero.<br /><br />A cerração era total.<br /><br />Num impulso convulso de dor Versamann ajoelhou-se sobre a cova. E mal teve de murmurar uma sílaba de reconciliação e saborear um gelado grão de são que lhe roçara a comissura dos lábios porque a neblina, num gemido compridamente silencioso, o absorveu.<br /><br />VANILDO SELHORST DANIELSKIVanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-46410877496485435122008-03-23T16:28:00.000-07:002008-03-23T16:33:32.936-07:00DesprezoDesprezo a simetria raivosa das ruas.<br />Desprezo o típico sorriso leve<br />A típica risada bem-humorada do final de tarde.<br />Desprezo a penetração suave do suor na pele<br />Do sal na pele<br />Do amor na pele<br />da rotina: na pele.<br /><br />Desprezo dissimuladamente<br />O cimento prepotente dos prédios<br />O brilho irônico dos automóveis.<br /><br />Desprezo sem querer desprezar.<br />Desprezo o capitalismo e o socialismo<br />Desprezo a flor e o lodo - conúbio - dolo<br />Desprezo o lirismo e a crueza<br />Desprezo. Desprezo. Desprezo.<br /><br />Desprezo meu próprio desprezo, reticente.<br />Desprezo eu próprio - espinho, coluna de sombras.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-6111779029757960718.post-72550494681793114202008-02-18T08:14:00.000-08:002008-03-24T16:22:40.272-07:00Possível impossívelConverso eu com Anônimo, uma prosa filosófica e metafísica que se espicha pelos gritos e risadas do recreio e tritura-se na mastigação opressiva dos que nos rodeiam. Subitamente eu pergunto: Anônimo, quer ouvir uma história?<br /><br />Depende, Anônimo responde. É um conto, um peça de teatro, qualquer coisa assim?<br /><br />Estou pensando em escrevê-la sim, mas não decidi ainda, digo.<br /><br />Conte-a, diz Anônimo.<br /><br />Começo: toda a história deveria começar com Era uma vez. Essa expressão congela o tempo: era naquele tempo, e em nenhum outro, era naquele tempo e por isso era único, indivisível, indevassável. Portanto começarei com Era uma Vez. Era uma vez Homem-garoto, um adolescente tímido e introspectivo, frio e silencioso. Gostava de dizer reflito e concluo, e tinha espinhas na testa e no queixo, embora poucas. Pois bem. Homem-garoto não tinha namoradas nem amores, embora desejasse intimamente as duas coisas. Almejava tanto que um dia apaixonou-se duplamente. A primeira paixão, a mais forte, tinha por alvo uma mulher morena, de rosto harmonioso e suave, uma inteligência sensível e independente em aparência. Amou-a, mas não confessou o seu sentimento: ela parecia mais velha que ele, dava-lhe conselhos carinhosos, tratava-o apenas polidamente, com certa ternura superior. A segunda paixão surgiu aos poucos: a menina era baixinha, de sardas no rosto, um nariz fino e bonito, um par de olhos de mel, mas Homem-garoto gostava mesmo era de sua boca, uma boca vermelha e polpuda, sempre túmida. Ela escutava-o: ficou sabendo assim de seu niilismo latente, suas dúvidas existenciais pálpitas, seus ideiais literários. Homem-garoto apaixonou-se pelas duas.<br /><br />Suspendo um momento a história, observo uma formiga carregar um ínfimo pedaço de folha pela calçada de concreto. Anônimo ordena: continue, continue, o que aconteceu?<br /><br />Olho-o um instante nos olhos - Anônimo tem um ar bovino, de quem se acostumará à canga e irá carregá-la ao pescoço pelo resto da existência - volto a olhar para a formiga: impossibilitado de escolher, incapaz de confessar seu amor dualista, Homem-garoto perdeu-as - a primeira paixão foi sufocada, a segunda paixão afastou-se lentamente, mudou de turno no colégio. Meses depois, como a lembrança fantasma das duas mulheres o atormentasse, Homem-garoto imaginou um velório solitário, encerrou o carinho e o afeto e a saudade em caixões de chumbo, e enterrou as reminiscências em covas rasas. Chegou a recitar a oração dos mortos em latim, uma oração achada por acaso num livro de citações entre traças e um sentimento áspero de abandono.<br /><br />Calo-me, desviando o olhar para uma nesga de muro mal pintado. Anônimo fixa-me detidamente e indaga: isso é uma história?<br /><br />Olho para ele, sustento meu olhar de oceano e areia nas suas pupilas bovinas. Há um entendimento acre entre nós dois. Viro as costas lentamente.<br /><br />Não é uma história, retruco ao ir embora. Foi uma história.Vanildo Danielskihttp://www.blogger.com/profile/05505990650210912191noreply@blogger.com1