sexta-feira, 18 de abril de 2008

Pegajosidade, barro - e sangue

Para Lize, um presente sujo de afeto


Numa tarde inexpressiva, Homem e Mulher caminham lado a lado numa rua de areão úmido, coberto por uma pegajosa mistura de água e barro.
Não se olham. Seus rostos estão virados para frente. Caminham inexoravelmente calados, embora falem banalidades. Porque no fundo de suas palavras há um constrangido silêncio.
Homem está comovido por estar tão próximo de Mulher. Sente por ela qualquer coisa que o agrada, uma afeição doce que lhe escorre pelo interior do corpo até sair transvertida num aliciador sorriso permanente. Deseja-a também, mas isso é outra história. Desejo se sente por qualquer mulher bonita. Homem experimenta um sentimento perplexo de inesperada suavidade perante Mulher, é tomado por carinhoso ardor quando está com ela; um ardor que o deleita e o obriga a procurá-la com o olhar ávido, um ardor que o obriga a tocá-la num gesto discreto, sem alarde. Ama-a?
Os passos de Mulher são céleres. Seu tênis é preso rapidamente pela sola ao chão viscoso, mas liberta-se rapidamente, e a marcha continua. Seu pensamento é recôndito, se oculta nas regiões abissais de um oceano sombrio, surpreendentemente castanho na superfície e negríssimo no fundo. Mulher sorri amiúde para Homem. Sente por ele apenas amizade, a desinteressante e banal amizade do cotidiano. No íntimo talvez o despreze, mas não ousa afirmar isso a si mesma: limita-se a sorrir, meiga, invólucro de feições.
Os sentimentos dos dois emaranham-se numa teia larga, invisível, incontornável e inescapável para ambos. Estão unidos insensivelmente, hesitantes e cegos. Buscam-se por motivos vários – que não precisam ser narrados, porque são simples, fáceis, metafísicos, fortuitos. Ocultos e sonolentos.
Homem e mulher caminham lado a lado, na tarde inexpressiva. Jamais chegarão ao seu destino, pois o instante que os une é eterno e intransponível. Buscam-se na escuridão, apalpando-se à distância. São eles mesmos, indesculpavelmente eles mesmos. Caminham juntos, cegos e silenciosos, sob o céu cinza, fora do mundo. E do tempo.

Vanildo

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