Segunda-feira, manhã. O homem – engravatado, sapato novo e terno – aproximou-se do mendigo sorrindo.
O mendigo – todo coberto, uma barba sebosa e negra – não tinha cuia. Tinha uma expressão animosa.
"Bom dia."
O mendigo permaneceu quieto, olhando a calçada.
"Aqui está", o homem engravatado estendeu-lhe uma nota. "Para você comprar algo para comer."
"Não preciso do seu dinheiro, senhor Gravata", disse o mendigo.
O homem apertou os olhos. Intrigado.
"Como?"
"Não sabe", continuou o mendigo rindo e arreganhando os dentes, "o senhor não é mais ninguém. Deixou de ser um homem há muito tempo. Hoje é apenas Gravata, Sapato, Terno, Meia, Calça Social e Cueca."
O homem abriu os lábios para falar, mas fechou os olhos e desistiu.
"Tenho pena do senhor. Não é mais ninguém. Nem nu o senhor chegará a ser um homem."
O mendigo calou-se, olhou com desdém a nota de cinco e repetiu: não preciso do seu dinheiro, senhor Gravata.
O homem descerrou as pálpebras, fitou-o algum tempo. Intrigado. Num arranco flexionou fortemente os joelhos - um de cada vez - e começou a andar apressado, os braços e as pernas rígidos, a mão direita no queixo, pensativo.
Na mão esquerda apertava ainda a nota (de cinco reais).
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
terça-feira, 8 de janeiro de 2008
Árvore salgada
À sombra da árvore salgada eu sentei.
O choro arvorava segredos.
Sentei, e fiquei.
Cascastas borbulhantes de sal despencaram das folhas
E o silvo da clorofila calou meus olhos vendados.
Havia paz, e febre.
Adormeci molhado de orvalho salgado
E ceei o despencar da noite na sombra da árvore.
Segredos despencados, furtivos.
Silêncio de penumbra.
O choro arvorava segredos.
Sentei, e fiquei.
Cascastas borbulhantes de sal despencaram das folhas
E o silvo da clorofila calou meus olhos vendados.
Havia paz, e febre.
Adormeci molhado de orvalho salgado
E ceei o despencar da noite na sombra da árvore.
Segredos despencados, furtivos.
Silêncio de penumbra.
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