terça-feira, 5 de julho de 2011

E a noite de frio e vento. Lá fora...

Arre, que o torpor dos séculos humanos, carregado com o ranço dos tédios mais denodados, e repassado às gerações supervenientes, está importunando novamente meus sentimentos. É a mesma coisa que se repete com litúrgica pontualidade, com irritante intermitência: primeiro me afogo em uma rotina hirta e inflexível, atento aos meus deveres, comprometido com as obrigações que as pessoas vão empurrando para o meu lado com desfaçatez; depois vou gradativamente perdendo o interesse nas coisas que antes atraíam minha atenção, deixo de perceber os pequenos detalhes que são capazes de infundir algum interesse a uma existência; por fim, depois de superar todas as agruras de um humor suspeito, faço questão de arrojar para longe toda a carga de responsabilidades e deleites que constituíram a nata dos meus dias pretéritos para então embrutecer-me nessa fastidiosa inamovibilidade, que irrita meu senso produtivo e faz-me perder todo o orgulho. É sentimento? É loucura? É indecisão? É apenas o gesto grave de quem já não encontra sentido nas coisas senão no momento em que artificialmente cria esse significado instável, cego e impertinente?

Escrevo isso e entao fito as paredes do meu quarto, um local seguro, caloroso, afável a minha intuitiva solidão. Janela, abajur, celular abandonado na cama, um navio em miniatura esculpido na madeira, um guarda-roupas, um grande espaço vazio no qual pretendo colocar uma escrivaninha, e eu, o objeto menos relevante nessa amálgama de insensibilidade. Desejaria escrever como Fernando Pessoa, oh, não conheci quem tivesse levado porrada, o dono da tabacaria sorrindo, o binômio de Newton arredando a beleza da Vênus de Milo, Deus meu, que digo eu? Tresvariando. Não: é ainda a manifestação do tédio, este galante e petulante e desconcertante e ainda assim fleumático tédio. Contudo, que é o tédio?, pergunta-me o filósofo que habita em mim. Para o inferno a filosofia, o niilismo, o ceticismo, o platonismo, o socialismo, o kantismo, todos esses arcabouços encarquilhados e cegos. Para o inferno, para a puta que os pariu - quem era o autor que dizia que o palavrão tem efeito catártico? Rubem Fonseca, creio eu. Intestino grosso. Sei.

Que fazer, "mon cher ami"? É uma noite de frio e vento. Lá fora... Poderia lavrar uma metáfora com isso, engendrar uma história, quebrar essa monotonia de sangue e gelo que me atormenta. Atormenta? Às vezes desconfio que todo esse descompasso, todo esse propalado desarranjo em relação ao mundo e às coisas seja apenas uma desculpa para desimpedir minha verborragia, para externar uma dor que não sinto, para asseverar sobre concepções que não acredito, divisar cenas que não vejo. O poeta é um fingidor que finge tão completamente que chega a acreditar que é dor a dor que deveras - Fernando Pessoa e seus apotegmas. Nascer de novo seria solução? Ressuscitar para uma nova realidade, na visão dostoievskiana - um caminho plausível.

O fato é que estou farto de semi-deuses.

E é uma noite de frio e vento. Lá fora... Lá fora?

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