quarta-feira, 30 de abril de 2008

Ponto de Ônibus

Eu esperava o ônibus, resignado. O sol batia-me no rosto, ofuscava-me os olhos. Cobria-os com a mão, mas a claridade, coada pelo intermúndio dos dedos, fazia arde as escleróticas avermelhadas (tinha dormido mal, na noite passada). Nisto aproximou-se uma mulher trigueira, enorme, matronal. Perguntou as horas. Tinha sardas na pele, um nariz grosso que se assemelhava a um nariz suíno, e olhos azuis, cristalinos. Respondi e ela agradeceu delicadamente, num gesto que deve ter considerado oportuno. Calei-me. A mulher também emudeceu. Mas continuou a olhar-me obliquamente com seus olhos enormes, sorrindo levemente. Senti-me aborrecido, muito mais do que até então me sentira. Sentia um insidioso asco infiltrar-se nos meus pensamentos, um asco persistente que vazava daquele oceano circular que circundava as pupilas da mulher. Encolhi-me, nervoso. Estalava os dedos, apertava-os uns contra os outros, mirava a calçada de concreto cinza, cheia de frinchas nas quais crescia um matinho viçoso. Afinal levantei-me – o sol golpeou-me o rosto com energia, mirei o semblante da mulher – perturbaram-me os seus olhos agora translúcidos, mudos, ansiosos, desgraçadamente claros – levei as mãos à fronte com se estivesse verificando a sua temperatura ou secando o suor... inquietantes, os olhos da mulher... perplexo, os olhos ardentes, comecei a caminhar aceleradamente, sem voltar-me. Senti atrás de mim o ronco do ônibus que se aproximava... não me importei. É preciso andar, pois há perigosos, mortíferos olhares num ponto de ônibus.

3 comentários:

Anônimo disse...

Bem escrito. Gostei do blog e dos dedos que o escrevem. Voltarei. Abraço.

A SEIVA

Anônimo disse...

linkado

Anônimo disse...

Caraca que eu gosto um tanto grande do transporte coletivo,,, e no ponto, dependendo a cultura regional, se faz possível épicos momentos da opaca urbaneidade... e como amo essa famélica concretada!

Abraços e sociais invenções!