domingo, 12 de outubro de 2008

O BAILE DE UMA CIDADE DE AÇO E CONCRETO

Incrustado no planalto norte de Santa Catarina, o lugar em que vivo amanhece todo o dia de forma célere, pulando da cama com olhos estremunhados e gestos esquivos: é Joinville, uma cidade dinâmica, apressada, industrial. Trabalhadores, artistas, políticos, anônimos, jovens, idosos, pessoas enfim movimentam-se nessas ruas enfumaçadas, buscando fazer não sei bem o quê. Talvez viver.
É uma cidade de concreto e aço, uma cidade perfeitamente adequada às conveniências contemporâneas. Tem seu riozinho fétido e mórbido que corta o centro da cidade, empestando o ar com sua frialdade de lodo. Tem seus prédios maciços, suas indústrias alacremente pintadas, suas universidades, seu comércio ostensivo e ardiloso. Tem seus mega-centros, tem suas sociedades recreativas, tem suas madrugadas enfastiadas.
Meu lugar se assemelha a qualquer outra cidade grande. Tem ruas, pessoas, comércio, muito movimento e algum tédio. Tédio disfarçado, triturado em sorrisos, em cartões de visita, em telefonemas velozes, em chopes sorvidos após a labuta do dia. As pessoas de Joinville assimilaram em suas almas, como a maioria dos inconscientes do mundo, o entrechocar de ferros em movimento. Estão íntima e eternamente besuntados pelo óleo das engrenagens que operam ou vêem operar todo o dia.
É uma cidade agitada que teima em ser única. Seus asfaltados ângulos retos traduzem a monotonia da vida operária de tal maneira que antes mesmo de terminarmos de saborear a esquina da rua que termina nos vemos jogados no turbilhão de uma nova rua, em pleno e doloroso parto... Há lugares plácidos: os campos de futebol de várzea, as praças calmosas, os shoppings de lojas magnéticas e convidativas, com ar condicionado... no meu lugar de moradia há resistência à previsibilidade: afinal, que cidade tão ferozmente industrial se preocuparia em fazer florescer as artes cênicas, a dança de origens diversas, a literatura pertinaz senão esta minha terra erguida sobre a inconstância dos mangues?
O lugar em que vivo ostenta um paradoxo: se insensibiliza no trabalho árduo, no seu afã de produzir, consumir, exportar, importar, em ser aquilo que as outras cidades esperam que ele seja, o que a nossa economia conclui ser o correto... e, não obstante, ele acalenta na sua gente sorridente uma imensa ternura, um inexplicável enternecimento pela vida, uma comoção que se prende às luzes noturnas, que se deposita na cerveja repartida entre o estampido silencioso de explosões psicodélicas, na sempre singular ficção da realidade... é uma cidade onde a voz dos escritores se ergue em sarais recônditos, intimistas sublevações contra a massificação da essência humana... é uma cidade que se faz os ferros do trabalho bailarem nas almas humanas, ao som de um Festival de Dança que se estende pelos anos afora...
O lugar em que vivo é úmido, a chuva goteja rotineiramente no chão. Não há encanto maior que a chuva iluminada na noite pelos lampiões, porque nos penetra aquela tranqüilidade ancestral que regozija e torna o homem melancolicamente feliz. O lugar em que vivo é mesquinho de verde. Mas apresenta aprazíveis e modernas florestas de cimento.
Joinville, lugar indescritível... o mistério do florescimento da alegria na aridez das máquinas, nos ângulos retos que delineiam o rosto desta cidade dos príncipes... talvez Joinville, meu lugar de vivências, minha realidade cotidianamente revista e revisitada, seja apenas uma cidade grande tentando entender-se pequena, lutando para não se desagregar, mosaico em desacordo. Mas o que vale é a chuva, que cai enquanto escrevo estas palavras e me deixa melancolicamente feliz.

3 comentários:

Anônimo disse...

Então,,, conheço Joinville pela letra, somente,,, o poder da letra que me deixa a sensação de uma cidade que me agradaria, rs

Mas me guardei para a reflexão à cerca do "óleo das engrenagens que operam ou vêem operar todo o dia" alguns punhados de gente alienada, insensível e mecânicas. Valeu a inspiração, Danielski!

Abraços e contemporâneas invenções!

Isabela Lennon disse...

pelo jeito sua cidade tem muito em comum com a minha,São Paulo,ao mesmo tempo em que é totalmente diferente.

Paradoxal isso,né?

:*

Rubens da Cunha disse...

belo retrato da nossa província.
compartilho contigo o mesmo olhar