sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Café de mulher

Minhas mãos estão vazias – nelas reside o ar perplexo do silêncio. Olho-as, esfrego-as nas coxas, deitado na cama, olhando fixamente o livro que atirei para um canto. Bocejo ao final de algum tempo, as molas da boca distendem-se – nnnnnnnnnnnnn- contraem-se finalmente, encerram o aborrecimento na boca seca. Serão horas quais?

Na cozinha, ouço um barulho. Querido, quer café? Café sorvido no sopé de algo, relegado chulé - miasmas vaporosos... Café, quero-o ou não? Café ou não café? Não respondo, fico resmungando café não devia rimar, devia sumir sumir sumir – evaporar... Quer café, querido?

“Quero o mundo, Lourdes, quero o mundo e seus tormentos!”

Ela não responde, está adormecida em sua sonolência conjugal. Não entende por que eu desejo a amplidão enfumaçada do mundo, não compreende afoitamente que na nossa cama do final de noite já não há espaço para café ou espumas, que nossos corpos estão frios como o colchão insensível e insuportável que nos acompanha madrugadas adentro... imersos em sonos e aborrecimentos estamos, e sonolentos e aborrecidos somos... Quer café? Quer amor? Quer a certeza utópica de que somos diferentes e incompatíveis? Quer tentar reencontrar meu corpo de adolescente nesse corpo de mulher gasta e empoeirada?

Lourdes surge na minha frente. Duas chávenas na mão.

“Trouxe café. Vai te fazer bem. Você está tão aborrecido...”

Meus olhos estão fechados. Cantarolo, finjo-me distraído.

Não quero café. Não quero café. Não quero...

Ela fita-me impaciente. Ficamos em silêncio. E entre o nosso silêncio pende, impotente, o brilho estático da lâmpada elétrica.


VANILDO SELHORST DANIELSKI

3 comentários:

Anônimo disse...

Ahhhhhhh!!! Muito bom,,, alguns gritos dando ao texto sua existência inconstante. Belo, sempre, amigo poeta!

Abraços e sociais invenções!

Anônimo disse...

Gostei muito dos seus textos.Tive acesso ao seu blog através do jornal A Notícia. Também adoro Machado de Assis. Sou professor de Literatura e escrevi minha monografia acerca do adultério em Dom Casmurro. Se tiver e quiser me add no msn: isaiasrafael20@hotmail.com Poderemos conversar sobre literatura. Parabéns pelos textos.

Graca damazio disse...

Muito bom Vanildo, nos faz rever atitudes de um casamento de muitos anos...